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'Faço com muito orgulho', diz detento que transforma bicicletas em cadeiras de rodas para doação

"Faço com muito orgulho", afirma Donizeti Ribeiro da Silva. Aos 50 anos, o detento do presídio de Itajubá (MG) é o principal responsável por transformar bicicletas apreendidas em operações de furto e tráfico de drogas em cadeiras de rodas, que são doadas para quem não pode comprá-las.

 Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Projeto começou em 2014 no presídio de Itajubá Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Projeto começou em 2014 no presídio de Itajubá

A ideia do projeto surgiu em 2014, quando a direção do presídio recebeu um pedido da ONG Caravelas para ajudar pessoas com deficiência no município. Embora a carta não dissesse nada especificamente sobre as cadeiras de rodas, o diretor do programa de ressocialização e Donizeti conversaram e iniciaram a ação. De lá para cá, foram mais de 200 cadeiras reformadas e feitas do zero.

"Tem eu e um ajudante, se precisar de mais alguém a gente arruma. A cada três bicicletas, mais ou menos, dá para fazer uma cadeira. Em um dia , a gente faz. Ela praticamente inteira é feita aqui. Montagem, pintura, tudo", conta Donizeti.

O resultado do trabalho é passado adiante para quem precisa. Até agora, as cadeiras construídas por eles já foram levadas para asilos e hospitais de Itajubá, além de terem sido enviadas para outras cidades do estado como Juiz de Fora e Belo Horizonte e até para a penitenciária Nelson Hungria, em Contagem.

"É gratificante, porque só de ver que uma pessoa está precisando. Uma cadeira de rodas simples custa na média de R$ 3 mil. A gente consegue pegar, restaurar e levar mão de obra para eles praticamente de graça. Para a gente é gratificante e para eles também acredito que serve muito", diz.

Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Depois de prontas, cadeiras de rodas são doadas para quem não pode comprá-lasFoto: Gabriela Bandeira/G1/ Depois de prontas, cadeiras de rodas são doadas para quem não pode comprá-las

Da matéria-prima ao produto final

Para conseguir acesso às bicicletas, o diretor de ressocialização, Leandro Rodrigues Palma, precisou da autorização de um juiz. "Solicitamos nas polícias Civil e Militar apreensões de bicicletas produto de furto, tráfico, enfim, que não voltariam para a sociedade. O juiz destinou essas bicicletas para a unidade e nós as apresentamos para nosso serralheiro Donizeti", explica.

Tendo uma cadeira de rodas como modelo, o detento a desmontou, tirou medidas e determinou como funcionaria o processo de trabalho com as bicicletas, que também precisariam ser cortadas e soldadas. A partir daí, a direção foi em busca de parcerias que possibilitassem a construção total das cadeiras.

Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Processo de construção das cadeiras de rodas levam 24 horasFoto: Gabriela Bandeira/G1/ Processo de construção das cadeiras de rodas levam 24 horas

"Como a gente não tinha recursos financeiros, fomos procurar parceiros. Saímos na cidade pedindo ajuda para questão de rodas [menores], daquele apoio onde o cadeirante põe a mão, que seriam peças que não dariam para ser feitas com a bicicleta. Arrumamos algumas empresas da cidade que nos ajudaram e forneceram esses equipamentos restantes", conta Leandro.

A parte do estofamento também é feita da mesma forma. O tecido é doado e uma costureira da cidade produz o assento e encosto, que são aplicados na cadeira dentro do presídio.

Habilidades para o futuro

As habilidades manuais para reformar e construir cadeiras de rodas foram descobertas por Donizeti já dentro do presídio, onde teve oportunidade de fazer um curso profissionalizante como serralheiro.

Quando Leandro apareceu com a ideia do projeto, ele não fazia ideia de como deveria fazer o trabalho, mas uniu a instrução que recebeu no curso à criatividade para alcançar o resultado final. "Foi boa vontade mesmo. Me interessei pela causa e a gente pegou e falou, vamos fazer", comenta.

Agora, o sonho é que a vocação seja reconhecida também fora do local. Quando for libertado, fala que sonha em abrir uma oficina onde pode seguir consertando e construindo novas cadeiras de rodas.

"Tudo que eu queria mesmo é lá fora montar um galpão para poder reformar cadeiras. Porque isso não tem em lugar nenhum aqui e é uma coisa simples, às vezes uma peça que quebrou, a pessoa encosta a cadeira. Se eu tivesse um galpão para fazer esse serviço lá fora, eu pegava todas as cadeiras para reformar. Esse é o meu pensamento um dia", revela.

Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Donizeti fez curso de serralheiro no presídio de Itajubá Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Donizeti fez curso de serralheiro no presídio de Itajubá

Referência no estado

No dia 5 de janeiro, a unidade de Itajubá foi reconhecida pelo Estado como presídio escola pela humanização no atendimento. A decisão foi publicada no Diário Oficial de Minas Gerais e a ideia é que o modelo adotado no local seja replicado em outros presídios da região.

Além do projeto desenvolvido por Donizeti, outros 159 detentos desenvolvem ações que beneficiam a sociedade de alguma maneira. Outros 80 estudam. "Temos parcerias com a prefeitura de Piranguinho e a de Itajubá na reforma de postos de saúde, capina urbana, reforma de quadras poliesportivas, pinturas".

"Nós não sempre tivemos pedreiros, nem sempre tivemos pintores, serralheiros, mas fomos capacitando com cursos, achando a aptidão de cada um e aproveitando melhor isso na unidade", relata Leandro.

 Foto: Gabriela Bandeira/G1/ No presídio de Itajubá, detentos costuram uniformes para outros presídios do estado Foto: Gabriela Bandeira/G1/ No presídio de Itajubá, detentos costuram uniformes para outros presídios do estado

As atividades também impactam em uma economia dos cofres públicos. Serviços que antes eram terceirizados, como a confecção de uniformes para os presídios do estado, hoje são feitos dentro da unidade. Semanalmente, alguns detentos se encarregam de lavar roupas para creches e postos de saúde da cidade.

Existe ainda uma fábrica de produtos eletrônicos que funciona 24 horas por dia, rodando em três turnos. O barracão de 50 metros quadrados onde a empresa funciona foi erguido pelos próprios presos, assim como outras salas e espaços.

"É uma unidade inaugurada em 2009 e que vem se mantendo limpa e organizada 100% com a mão de obra carcerária", pontua.

Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Fábrica de produtos eletrônicos funciona em barracão construído por detentos Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Fábrica de produtos eletrônicos funciona em barracão construído por detentos

Direitos e deveres

Para participar do programa de ressocialização e ter direito a estudo e trabalho, os detentos passam por uma espécie de seleção feita por psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, seguranças e toda direção. "Toda unidade discute sobre o caso dele. Tem uma secretária que vai digitar uma ata e enviar para o juiz", afirma Leandro.

"Esse preso é acompanhado mensalmente. A gente vê como é o comportamento, o estado de saúde dele, se ele tem aptidão para exercer o serviço. Nessa fase vamos decidir para onde ele vai, qual tipo de oficina, se vai ser fechada, aberta, com escolta ou sem. A partir daí, a gente começa o PIR (Programa Individual de Ressocialização) acompanhando ele, fazendo propostas gradativas até ele receber o benefício do alvará de soltura", acrescenta.

Cada três dias de trabalho dão direito a um de remissão. Eles também ganham 3/4 de salário mínimo (R$ 747) por mês. O dinheiro pode ser sacado pelas próprias famílias, diretamente no banco.

"Além dele não ficar ocioso, ocupar o tempo dele de uma maneira produtiva, dá orgulho para os familiares, que com certeza esperam que ele saia um novo homem de dentro da unidade prisional. Digo que isso é bom para a sociedade, porque ele está fazendo alguma coisa para a sociedade. Muito bom para a família, porque ele está aqui dentro, mas consegue ajudar. E é muito bom para a unidade, porque para ter esse tipo de benefício, tem que manter o comportamento", diz.

Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Para ter direito a escola e trabalho, detentos passam por seleção feita por toda diretoria do presídio de ItajubáFoto: Gabriela Bandeira/G1/ Para ter direito a escola e trabalho, detentos passam por seleção feita por toda diretoria do presídio de Itajubá

'Matar o bandido e salvar o homem'

Na saída do presídio, uma parede repleta de frases motivacionais chama atenção de todos. 'Vamos matar o bandido e salvar o homem' é uma delas. De acordo com o diretor-geral, Rodney Dantas Pinto, só há uma forma de fazer isso ali dentro - com estudo e trabalho. "Existe aqui uma grande perspectiva de mudar o ser de alguma forma. A direção da unidade entendeu que trabalho e estudo seria o melhor caminho para poder promover alguma mudança ao indivíduo privado de liberdade".

"A gente só consegue vencer essa luta se devolver para a sociedade um elemento capaz de principalmente sobreviver em uma sociedade hoje. O que nós fazemos aqui é exatamente criar nesse indíviduo uma perspectiva de conseguir reestruturar a família, buscar uma condição de trabalho, sustentação", reforça.

 Foto: Lucas Soares / G1/ Detentos produzem cerca de 5 mil peças por dia em unidade dentro do presídio de Itajubá Foto: Lucas Soares / G1/ Detentos produzem cerca de 5 mil peças por dia em unidade dentro do presídio de Itajubá

A atitude, segundo ele, reflete diretamente na segurança das unidades prisionais. Embora reconheça que nem todos os presídios têm condições financeiras e estruturais de desenvolver projetos assim, afirma que é preciso um olhar mais atento para estas questões.

"Temos que trabalhar um pouco mais a filosofia do servidor de segurança do sistema prisional de forma que ele entenda que o atendimento ao preso, a condição de trabalho, de escola reflete diretamente na segurança. Temos um elemento mais calmo, mais controlável, com a condição de disciplina mais apurada. Ele ocupando mais o tempo dele, passa a se preocupar menos com o crime", conclui.

Na unidade desde a inauguração em 2009, Leandro revela que a motivação e a força de vontade da direção e dos detentos é o principal combustível para continuar com os projetos.

"A gente gosta do trabalho, acredita nele e é muito bom proporcionar uma ajuda para a sociedade. Nós temos hoje o mais difícil, que é a mão de obra. Poder qualificar, selecionar, acompanhar e proporcionar um benefício para a sociedade por meio dessas pessoas, que ao longo da vida se perderam, e direcioná-las novamente não tem preço. Eles saem daqui, com certeza, muito melhor do que entraram", finaliza.

Foto: Gabriela Bandeira/G1/ Dos 668 detentos, 160 participam do programa de ressocialização em ItajubáFoto: Gabriela Bandeira/G1/ Dos 668 detentos, 160 participam do programa de ressocialização em Itajubá

 

Com Gabriela Bandeira, G1-MG



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