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Mineradora pretende ampliar operação em área que deveria ser recuperada em MG

Passados pouco mais de dois meses da tragédia da Vale, em Brumadinho, a mineração mantém pressão sobre unidades de conservação de Minas Gerais. A região mais ameaçada é a da Serra do Espinhaço, área prioritária para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica, reconhecida pela Unesco com o título de Reserva da Biosfera e que, no final do ano passado, recebeu mais um instrumento de proteção, com a criação do Mosaico Serra do Espinhaço – Quadrilátero Ferrífero.

Foto: Vinicius Carvalho/Lei.AFoto: Vinicius Carvalho/Lei.A

Justamente nessa região, a Gerdau Açominas S.A quer ampliar o seu empreendimento Várzea do Lopes, localizado na divisa dos municípios de Itabirito e Moeda, trecho que também pertence à Bacia do Rio das Velhas, de onde é captada mais da metade da água potável de Belo Horizonte. Nas suas proximidades também estão seis unidades de conservação.

Se a conservação de biodiversidade e de fontes de água é “prioridade” para se manter a vida das pessoas, para o Governo do Estado de Minas Gerais, o projeto de mineração é “prioritário”.

A polêmica entre conservar e minerar, nesse caso específico da Gerdau, é ainda maior quando se analisa o passado do empreendimento. Isso porque, por acordo judicial, a empresa deveria recuperar a área como compensação por ter minerado na região sem realizar os devidos estudos ambientais. Mas optou por solicitar novo licenciamento para ampliar seu empreendimento, que inclui a abertura de uma lavra e a ampliação de uma pilha de estéril (empilhamento de materiais minerários sólidos descartados).

Tudo isso na zona de amortecimento de duas Unidades de Conservação de Proteção Integral, a Estação Ecológica Estadual de Arêdes e o Monumento Natural Estadual Serra da Moeda, local que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Velhas (CBH Velhas) solicitou ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) que fosse declarado como de conflito pelo uso da água, essencial para o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Para alguns ambientalistas, a ampliação da mineração e a construção de uma pilha de rejeitos onde deveria existir um corredor ecológico, podem trazer impactos irreversíveis.

O Empreendimento da Gerdau

A ampliação do projeto Várzea do Lopes, pretendida pela Gerdau, consistirá na abertura de um nova lavra de minério de ferro a céu aberto (chamada de Mina Várzea Leste-Norte), com a extração de 1,5 milhão de tonelada por ano. Ali, durante 21 anos, serão retirados 30 milhões de toneladas de minério bruto (peso de cerca 25.000 carros populares), que serão transportadas em caminhões até a usina da empresa no município de Ouro Branco (a cerca 60 km da mina).

Já a pilha de estéril (chamada de PDE‐01) ocupará uma área de 155,95 hectares (166 campos de futebol), suprimindo uma porção de floresta, que está na zona de amortecimento das unidades de conservação. Atualmente, a pilha já vem recebendo resíduos da mineração, para qual obteve a Autorização Provisória de Operação (APO), emitida em dezembro de 2016.

No entanto, as licenças obtidas pela empresa venceram no final de dezembro passado. E, com isso, a empresa entrou com um novo pedido de licenciamento, solicitando a ampliação da mineração.

Por cima de acordos judiciais

O pedido de licenciamento para ampliação do empreendimento da Gerdau, por mais polêmico que seja, estaria dentro da normalidade dos trâmites se não fosse um detalhe apontado por ambientalistas: somente o fato de pedir novo licenciamento para operação na região já fere dois acordos judiciais firmados pela empresa com o Ministério Público de Minas Gerais. Para entender, é preciso voltar no passado.

2006: Logo no início, a Gerdau implantou a Mina Várzea do Lopes na Serra da Moeda sem a realização de estudo prévio de impacto ambiental, valendo-se apenas de Autorizações Ambientais de Funcionamento (AAF), concedidas em fevereiro de 2006 pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Por conta disso, o Ministério Público Estadual entrou com uma ação civil pedindo que as atividades minerárias fossem interrompidas.

2009: A empresa assinou um acordo visando compensar o passivo ambiental deixado, no qual foram impostas 28 condicionantes a serem cumpridas.

Dentre elas, inclui-se a recuperação da área –que criou condições para criação pelo estado do Monumento Natural Estadual Serra da Moeda (Decreto 45.472/2010), assumindo também o compromisso de não requerer licenças ambientais para novos empreendimentos na Serra da Moeda.

2013: Em decorrência de uma primeira ampliação do empreendimento Várzea do Lopes, com o aumento da produção da mina, de 1,5 milhão para 13 milhões de toneladas ao ano, a empresa assinou em setembro de 2013 outro Termo de Compromisso com o Ministério Público. O texto, dessa vez com 33 cláusulas a serem cumpridas, previa o estabelecimento de novas medidas preventivas, compensatórias e de recuperação da área.

2017: Para cumprir uma dessas cláusulas, por exemplo, a empresa protocolou junto ao Instituto Estadual de Florestas (IEF), em dezembro de 2017, uma proposta de manutenção de um corredor ecológico na área ao longo do Ribeirão do Silva e sua Área de Preservação Permanente, totalizando 472,43 hectares (470 campos de futebol).

2019: sai corredor ecológico, entra pilha de rejeitos? | A proposta de criação do corredor ecológico, que ficaria restrito à calha do Ribeirão do Silva, encontra-se em análise técnica junto ao órgão. Porém, caso seja aprovada pelo IEF, o empreendimento poderá ter sua pilha de estéril ampliada e a possibilidade de implementação de um verdadeiro corredor ecológico entre as duas unidades de conservação se reduzirá.

Ademais, a criação de um corredor ecológico entre uma montanha de rejeitos minerários e um buraco de uma mina, vai de encontro aos objetivos de criação do Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda, presentes em seu Decreto de criação. Além disso, o próprio documento de Estudos de Impacto Ambiental (EIA), elaborado pela Gerdau, prevê a formação desse corredor e alerta sobre o risco de fragmentação dos habitats ainda existentes, que irá intensificar o isolamento das unidades de conservação (MN Serra da Moeda e EE de Arêdes).

Por cima de condicionantes

Uma das principais condicionantes descumpridas pela Gerdau é não ter entregue estudos ambientais, como os que comprovariam que a ampliação do empreendimento não interferirá na dinâmica hídrica dentro das unidades de conservação.

Ainda assim, o projeto de ampliação, mesmo tratando de uma pilha de rejeitos a seco (estéril), prevê uma linha adutora para o transporte da água captada no Ribeirão do Silva, com perfuração de poço para captação de água subterrânea. Segundo ambientalistas, isso destruiria 7 das 53 nascentes catalogadas na área.

Boa parte desses cursos d’água possuem enquadramento de classe especial, sendo considerados de ótima qualidade e com seu uso sendo restringido para determinados tipos de empreendimentos, incluindo a mineração.

O empreendimento da Gerdau, alegam ambientalistas, também vai contra uma das condicionantes assinadas pela empresa que a obriga a não interferir nos recursos hídricos e nos ecossistemas do Monumento Natural Serra da Moeda e da Estação Ecológica de Arêdes, incluindo as nascentes situadas na encosta oeste da Serra, no município de Moeda.

A zona de amortecimento, onde haverá supressão de vegetação, é prioritária para a conservação e preservação desses mananciais, uma vez que diminuem o acúmulo de sedimentos no leito do Ribeirão do Silva, o que garante a quantidade e qualidade das águas da região.

Licenciamento trifásico ou condensado?

O empreendimento da Gerdau está sendo avaliado pela Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), órgão vinculado diretamente ao secretário de Estado de Meio Ambiente, que define as prioridades de análise nos licenciamentos ambientais.

Quanto à pilha de estéril, levando em conta os critérios técnicos da Deliberação Normativa do COPAM no 217/2017 (combinação do potencial poluidor e porte), ela foi classificada como classe 6, a mais danosa para as populações e o meio ambiente.

Nesses casos, são exigidos os chamados Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e o licenciamento deve ser realizado em três etapas, com a Licença Prévia (LP), sendo concedida na fase de planejamento e atestando a viabilidade ambiental do empreendimento, a Licença de Instalação (LI) autorizando a construção do empreendimento e a Licença de Operação (LO), que autoriza o início das atividades de extração.

Porém, por força da Lei 21.972/2016 e da Deliberação Normativa 217/2017, é permitido condessar as fases do licenciamento e rebaixar o potencial de risco. Nesse contexto, o empreendimento da Gerdau deve ser classificado como Licenciamento Ambiental Concomitante (LAC2), devendo ser realizado em duas fases e sua viabilidade ambiental deliberada pela Câmara Técnica de Atividades Minerárias (CMI) do Copam (para saber mais clique aqui).

Já em relação à solicitação de lavra para a Mina Várzea Leste-Norte, também em análise técnica, esta foi classificada como sendo classe 3, ou seja, empreendimento considerado como causador de baixo impacto ambiental, baseado na matemática entre o seu tamanho e o potencial poluidor. Desta forma, seu licenciamento poderá ser classificado como Licenciamento Ambiental Simplificado (LAS) e não precisará ser votada na Câmara Técnica de Atividades Minerárias (CMI) do Copam.

Anuência de unidades de conservação

Por afetar diretamente duas unidades de conservação (Estação Ecológica de Arêdes e do Monumento Natural Serra da Moeda), para iniciar a ampliação de seu empreendimento, a Gerdau necessita ainda da anuência (autorização) dos respectivos gestores. Em julho de 2018, a empresa entregou essa solicitação, mas a autorização não foi concedida por nenhuma das duas unidades.

Porém, ao assumir o Governo de Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) concentrou a gerência das duas unidades conservação em questão e de outras quatro na região (Estação Ecológica de Fechos, Estação Ecológica do Cercadinho, Parque Estadual da Baleia e Área de Proteção Ambiental Sul – RMBH) nas mãos de apenas um gestor, o ex-diretor geral do IEF, Henri Dubois Colet.

No dia 20 de março, Colet levou a questão para conhecimento do Conselho da Estação Ecológica de Arêdes e, no dia 27, para o Conselho do Monumento Natural da Serra da Moeda. A ideia era apresentar o cenário e as condições impostas para que fosse possível avançar com o licenciamento ambiental para a Gerdau.

Durante tensas reuniões com os conselheiros, entidades representativas e população da região afetada, muitas dúvidas foram levantadas e não houve consenso sobre a autorização. Com isso, foi concedido um período de 15 dias para que fosse realizada uma avaliação mais criteriosa por parte dos conselheiros e comunidade.

As reuniões dos conselhos de Unidades de Conservação são abertas à população. Compareça e cobre um posicionamento do gestor e dos conselheiros.

Com Blog Lei.A



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