O café está amargo, e não estamos a falar do sabor: o preço do produto nos supermercados está aumentando e ainda pode ficar mais caro. Com o El Niño, a sequência de ondas de calor e o volume de chuva aquém do esperado em Minas e outros estados produtores, desde o segundo semestre de 2023, impactaram negativamente a safra e atrapalharam o desenvolvimento e qualidade dos grãos que estão sendo colhidos.
Com isso, o preço aumentou por volta de 3,42% em maio no valor do café moído, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) na divulgação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No mesmo sentido, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP, registrou um aumento de quase 9% no valor do café arábica entre o final de maio e início de junho.
Uma empresa que figura entre as líderes de mercado na comercialização da bebida, inclusive, enviou a revendedores nos últimos dias um comunicado informando o aumento de 15% a partir de 1º de julho. “Nós tivemos um aumento já no final de abril, em torno de 10%, depois mais 15% no início de maio. Consequentemente o repasse é automático, nenhum estabelecimento consegue sobreviver sem repassar custos de matéria prima básica”, assegurou o presidente da Amipão, que reúne a Associação e o Sindicato da Indústria de Panificação de Minas, Vinicius Dantas.
A alternativa, garante, é distribuir os custos do aumento em outros produtos. “Não dá para repassar tudo senão o cliente corre. A gente tenta fazer isso de forma gradativa, às vezes diluindo esses valores nos preços de outros itens”, complementou Dantas. O malabarismo no varejo, inclusive, deve ser mantido nos próximos meses, já que não há uma previsão exata de como será o restante da colheita.
“Muitos produtores têm relatado problemas de rendimento e precisando de mais grãos para fechar uma saca. Obviamente que isso são números iniciais, o grosso da colheita é agora em junho e julho. A expectativa é que a safra de 2024 tenha uma melhora nessa colheita que está por vir, mas os números iniciais mostram, sim, uma preocupação. Não vamos encontrar grãos graúdos e com qualidade”, explicou a analista de agronegócio do Sistema Faemg Senar, Ana Carolina Alves.
Abastecimento externo
Além das questões climáticas que impactam a produção no Brasil, Ana Carolina também citou quebras na produção em grandes produtores de café como a Indonésia e Vietnã. Também impactados pelo El Niño, os dois países chegaram a ter perdas de 40% na colheita. “O Brasil acaba tendo que suprir essa brecha no mercado mundial, abastecendo os mercados em que outros países não conseguiram arcar com os compromissos firmados”, complementou.
O diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Celírio Inácio, frisa que há também custos adicionais na entrega do café, já que algumas rotas marítimas foram interrompidas. “A indústria vendo que não haverá, e como expectativa, a baixa de preço da matéria-prima, tem uma necessidade de sobrevivência de repassar esses preços às prateleiras dos supermercados”, disse.
Baixa expectativa na ponta
Os problemas citados pelos especialistas são vivenciados por quem está colhendo o café. Luciano Pereira de Mello, responsável pela marca de cafés especiais Jukinha, confirmou a situação agravada com o El Niño. Ele destacou a necessidade de chuvas regulares em setembro para o bom desenvolvimento dos grãos. “Essas chuvas estão vindo em outubro e, às vezes, em uma quantidade não suficiente para termos uma boa produtividade”, relatou o produtor de Jesuânia, no Sul do estado..
Luciano acredita que o cenário atual, de crescimento de preços em meio ao período de colheita, indica uma dificuldade que pode perdurar até o final do ano. “Obviamente que o cenário pode melhorar, as condições climáticas são sazonais e se alteram bastante. Dois anos atrás tivemos muita chuva e uma excelente produção. Mas até o final do ano ainda vejo mais uma elevação”, complementou o produtor, que está investindo na ampliação da área de plantio para prevenir impactos de geadas.
Da redação com O Tempo