Há um Brasil que lentamente está desaparecendo de si mesmo. Nomes de entes queridos, sorrisos familiares e até mesmo escolhas de vida escapam das memórias de muitas pessoas. Esse esquecimento é causado por um erro ainda inexplicável no processamento de proteínas no sistema nervoso central.
Essas proteínas, ao se acumularem de forma tóxica, desencadeiam um colapso nos neurônios e nas sinapses. Assim nascem as doenças demenciais, que, nas últimas três décadas, tiraram de mais de 385 mil brasileiros não apenas suas memórias, mas também suas vidas.
Em 1996, 985 brasileiros morreram devido a demências como Alzheimer. Em 2023, o número subiu para 34.279, um crescimento impressionante de 3.380%. Esses dados, levantados pelo Metrópoles a partir do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), destacam um problema crescente e pouco priorizado no Brasil.
Memórias apagadas: o impacto no cérebro
O professor Otávio de Toledo Nóbrega, da Universidade de Brasília, explica que as demências afetam principalmente o córtex cerebral, incluindo áreas como o hipotálamo e o hipocampo, responsáveis por nossa identidade e memória. No caso do Alzheimer, a proteína beta-amiloide se acumula de forma tóxica, prejudicando as transmissões nervosas.
Esse aumento nos casos está relacionado ao envelhecimento da população. Em 1996, o Brasil tinha 11,5 milhões de idosos; hoje, são 22,16 milhões. Contudo, esse crescimento de 83% na população idosa não explica totalmente o aumento de mortes, que reflete também falhas preventivas, como o combate ao sedentarismo e a maior escolarização.
Histórias de vidas afetadas
Zélia de Avelino, de 84 anos, costureira por décadas, começou a demonstrar sinais de Alzheimer quando já não conseguia realizar tarefas que antes dominava. Sua filha, Verônica, relata o impacto devastador da doença, que transformou a matriarca em alguém que muitas vezes não reconhece os próprios filhos.
Norma Araújo, de 81 anos, vive uma rotina marcada pelo Alzheimer avançado. Durante a pandemia de Covid-19, contraiu o vírus, e seu quadro cognitivo piorou rapidamente. Hoje, canta repetidamente uma frase desconhecida, enquanto sua família luta para preservar momentos de alegria.
O Brasil e a “pandemia” de demências
Com 2,71 milhões de brasileiros diagnosticados com demência, e uma projeção de 5,6 milhões até 2050, as doenças demenciais são uma “pandemia silenciosa”, conforme especialistas. O isolamento social, associado à baixa escolaridade, também aumenta os riscos. Dados mostram que pessoas sem educação formal têm o dobro de chance de desenvolver demências em relação àquelas que completaram o ensino fundamental.
Além disso, quase metade dos casos de demência no Brasil está ligada a fatores evitáveis, como alimentação inadequada, sedentarismo e falta de estímulos cognitivos.
Enfrentando o Alzheimer precoce
Daniel Rosa München, diagnosticado com Alzheimer aos 53 anos, teve sua rotina completamente transformada. Antes engenheiro mecânico, hoje enfrenta dificuldades de memória e visão, dependendo de uma rede de apoio formada por familiares e amigos para lidar com as limitações.
Um alerta necessário
O neurologista Maciel Pontes enfatiza que, embora não exista cura, é possível retardar a progressão dos sintomas com tratamentos e terapias. Contudo, é essencial preparar a sociedade para lidar com o envelhecimento, investindo em saúde pública, educação e apoio a familiares e cuidadores.
A história dessas famílias é um lembrete do impacto devastador das demências, mas também da resiliência diante dos desafios. É urgente que o Brasil olhe para o futuro e prepare-se para enfrentar essa “epidemia do esquecimento”.