Um juiz que teria utilizado uma identidade falsa por 45 anos foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por falsidade ideológica. Segundo as investigações, Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield era, na verdade, José Eduardo Franco dos Reis. O caso veio à tona na última quinta-feira (3/4) e trouxe à luz uma série de detalhes sobre a trajetória do acusado.

Como a fraude foi descoberta?
A suspeita surgiu quando, em 3 de outubro de 2024, José Eduardo compareceu ao Poupatempo Sé para solicitar a segunda via de um RG, apresentando uma certidão de nascimento supostamente inglesa com o nome de Edward Albert. No entanto, ao coletar suas impressões digitais, o sistema identificou que elas pertenciam, na verdade, a José Eduardo Franco dos Reis.
A inconsistência levou a Polícia Civil a abrir uma investigação, que revelou que o suspeito mantinha duas identidades. Ele não só havia conseguido um documento de identidade em nome do suposto Edward Albert, como também tinha CPF, título de eleitor e passaporte com o nome falso.
Quem é José Eduardo?
Natural de Águas da Prata (SP), José Eduardo, de 67 anos, se identificou como artesão à polícia. No entanto, as investigações indicam que ele criou a identidade fictícia em 1980. Na ocasião, ele declarou ser filho de Richard Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield e Anne Marie Dubois Vicent Wickfield para obter um RG com o nome britânico.
A denúncia aponta que, para reforçar sua nova identidade, ele apresentou documentos falsificados, como um certificado de dispensa do Exército, uma carteira de trabalho e um título de eleitor. Na época, o Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD) não tinha tecnologia suficiente para detectar a fraude.
Até onde foi a farsa?
Com a identidade falsa, José Eduardo conseguiu ingressar na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1995, foi aprovado em um concurso para juiz. Em entrevistas na época, ele chegou a afirmar que era descendente de uma linhagem nobre britânica e que seu avô teria sido juiz no Reino Unido.
Ao longo dos anos, ele também obteve carteira de motorista e comprou um carro usando a identidade fictícia. Atuou como juiz até se aposentar em 2018. Mesmo aposentado, em fevereiro de 2025, recebeu vencimentos brutos de R$ 166 mil, com um valor líquido de R$ 143 mil.
Embora tenha mantido a identidade falsa por décadas, José Eduardo também continuou utilizando sua identidade real em alguns momentos. Em 1993, por exemplo, solicitou a segunda via de seu RG verdadeiro, alegando trabalhar como vendedor no centro de São Paulo.
Nome com referências literárias
O nome fictício adotado pelo juiz aposentado tem diversas referências à literatura inglesa. “Edward Albert” coincide com o autor do livro História da Literatura Inglesa, publicado em 1923. Já “Lancelot” remete ao cavaleiro que se envolve com a rainha Guinevere na lenda do Rei Artur.
Além disso, “Canterbury” faz alusão a The Canterbury Tales, de Geoffrey Chaucer, enquanto “Caterham” é o nome de uma cidade na Inglaterra. O sobrenome “Wickfield” aparece em David Copperfield, de Charles Dickens.
O que José Eduardo alegou?
Em depoimento à Polícia Civil, em dezembro de 2024, José Eduardo afirmou que sua mãe lhe revelou, após a morte do pai, que ele tinha um irmão gêmeo chamado Edward Albert, que havia sido entregue a outra família.
Segundo ele, conheceu o suposto irmão no início dos anos 1980, quando Edward teria vindo ao Brasil e permanecido no país até sua aposentadoria, antes de se mudar para Londres. O acusado alegou que compareceu ao Poupatempo para solicitar a segunda via do RG a pedido do irmão.
A versão, no entanto, não convenceu os investigadores.
Denúncia do Ministério Público
O MPSP denunciou José Eduardo por falsidade ideológica e uso de documento falso. Além disso, pediu à Justiça o cancelamento dos documentos emitidos em nome de Edward Albert, a entrega do passaporte do acusado e a proibição de que ele deixe a cidade.
com informações do Portal Metrópoles