Comer um alimento e sentir-se mal poucas horas depois, a ponto de passar o dia indo sucessivas vezes ao banheiro, é algo relativamente frequente, assim como melhorar naturalmente da diarreia aguda – o tratamento, quando necessário, é feito mais no sentido de se evitar uma desidratação. Porém, a diarreia também pode perdurar por semanas, transformando-se num quadro crônico e gerando angústia e desconforto. “Uma diarreia aguda se resolve em cerca de sete dias. Passando disso, merece atenção. Se a situação durar para além de três semanas já é classificada como ‘crônica’”, explica o gastroenterologista do hospital Felício Rocho, Antônio Márcio Andrade.
Nesses casos, a recomendação é procurar um especialista, mas muitas pessoas costumam se valer até de medicamentos antidiarreicos, pensando que o quadro não vai prolongar-se. “Os pacientes podem negligenciar os sintomas e demorar a procurar atendimento”, nota o cirurgião do aparelho digestivo e proctologista especialista em doença inflamatória intestinal da Rede de Hospitais São Camilo de SP Alexander de Sá Rolim.
A grande preocupação dos médicos com o fato de se postergar a ida ao consultório é que a diarreia crônica normalmente é sintoma de alguma doença que inspira tratamentos complexos e até mudanças no estilo de vida. “Pode ter a ver com problemas de absorção de alimentos, como doença celíaca, que é uma reação ao glúten, intolerância a lactose, até infecções parasitárias com vermes persistentes, como giardia”, ensina Andrade. “Os pacientes devem procurar atendimento para avaliar se há ou não necessidade de investigação complementar, especialmente em indivíduos acima de 50 anos, para afastar a hipóteses de câncer do reto ou de intestino”, completa Rolim.
Vale lembrar que, ao contrário do que muitos pensam, intolerâncias, como a glúten e lactose, podem surgir em qualquer momento da vida. “Em relação à lactose, todos nós, na infância, temos capacidade de digerir o leite e, ao longo dos anos, é natural perder essa capacidade em algum grau: ou seja, quanto mais velho, maior o risco de ter intolerância. Nesses casos (de intolerâncias), é comum termos outros sintomas evidentes, como gases e muita azia, porque existem dificuldades de digestão”, explica o médico do Felício Rocho.
Outros sintomas ligados à diarreia crônica também geram alerta, como o emagrecimento rápido, porque podem indicar má absorção dos nutrientes. “Se a causa é de natureza má absortiva, como, por exemplo, doenças do intestino delgado ou no pâncreas, a síndrome de má absorção pode estar presente com deficiências de absorção de micronutrientes e vitaminas”, diz Rolim.
Dieta
Durante episódios de diarreia, é necessário manter a hidratação e ter cautela ao se alimentar. “O que orientamos até ir ao médico é beber água, chá e pode também fazer o soro caseiro – um copo de água com uma colher de sopa de açúcar e uma pitada de sal, tomando aos poucos”, explica o presidente da Sociedade Mineira de Coloproctologia, Antônio Hilário Alves Freitas.
“Deve-se optar por uma dieta leve com pouca gordura, enquanto as fibras podem piorar a diarreia. Leite e derivados podem ser mal tolerados, mas não são contra-indicados. Porém, não existe uma dieta padrão ou uma contraindicação, sempre devemos considerar caso a caso”, completa Rolim. Ao se descobrir a causa da doença, outras adaptações podem ser necessárias. Um intolerante a glúten, por exemplo, terá que evitar, pelo resto da vida, massas, pães e bolos com o componente.
Diarreia crônica também pode ser transmissível
Em menor proporção, a diarreia crônica, assim como a aguda, também pode passar para as pessoas mais próximas da que apresenta o quadro clínico. Quem explica isso é o gastroenterologista do hospital Felício Rocho Antônio Márcio Andrade. “Aquelas diarreias causadas por parasitas, como a popular ‘lombriga’, podem ser transmitidas porque os ovos saem nas fezes. Então, há risco de contaminação por água, se não lavar bem as mãos, os alimentos”, observa ele.
O presidente da Sociedade Mineira de Coloproctologia, Antônio Hilário Alves Freitas, lembra que a cólera, cujos sintomas incluem a diarreia crônica, também é passível de contaminação da mesma forma. “É mais comum em países subdesenvolvidos, que não têm água potável e esgoto tratado, mas há regiões do Brasil, sobretudo no Norte e no Nordeste, que têm a doença. Nesta época do ano, a pessoa chega às vezes relatando que viajou e logo depois notou uma diarreia persistente. A volta pra casa vira um pesadelo”, comenta.
A profilaxia, portanto, é a melhor saída: lavar bem as mãos, sobretudo antes da alimentação, e só ingerir água tratada (inclusive em preparos de sucos, por exemplo), bem como evitar temperos e maioneses prontas que fiquem expostos ao sol, são alguns dos cuidados necessários.
Automedicação
Andrade também ressalta a importância de não se automedicar, sobretudo usando antidiarreicos. “Utilizar por conta própria um medicamento que prende o intestino pode trazer prejuízos, agravar o quadro. Existem problemas associados ao fato de o intestino reter secreções, pode causar até uma dilatação intestinal, por exemplo, que pode ser muito grave”, comenta. “Por isso, não se deve usar antidiarreico em casos crônicos ou agudos de diarreia”, alerta.
Em relação a probióticos, que prometem restaurar a flora intestinal, por sua vez, ele comenta que “não fazem mal, mas também não existem evidencias científicas de que façam bem”, diz.
Minientrevista – Antônio Hilário Alves Presidente da Sociedade Mineira de Coloproctologia
A diarreia crônica frequente pode levar a quais problemas?
Primeiro é o incômodo e a perda da vida social, porque a pessoa fica insegura, sempre pensando que, se for sair de casa, ela pode ter uma crise no meio da rua, pode não ter um banheiro adequado. Além disso, com o passar das semanas, a diarreia crônica pode causar desidratração e desnutrição, porque, a cada vez que se alimenta, a pessoa observa que vem uma crise. Então, ela começa a comer e beber menos, e daí há um grande risco.
Existe um perfil do paciente que sofre com diarreia crônica?
Na verdade, não. O que ocorre é que a doença que leva à diarreia crônica pode ter (um perfil). No mais jovens, costuma ser intoxicação alimentar, doença inflamatória do intestino, entre outras. Nos idosos, é preciso sempre descartar a possibilidade de um câncer de intestino, uma doença muito séria. As pessoas, às vezes por medo de fazer exames, evitam procurar o médico, mas a chance de cura é muito grande para quem descobre a doença (câncer) na fase inicial.
Quais exames normalmente são feitos para diagnosticar a origem do problema?
Geralmente, o que o médico faz primeiro é ter uma conversa muito extensa com o paciente, para tentar dar pistas sobre a causa. Por exemplo, em época de férias, como agora, há pacientes que viajam para lugares onde não há água tratada, para países onde há doenças intestinais mais graves. O especialista vai tentar checar se a diarreia está possivelmente associada a algum alimento, como leite. Juntamente, podem-se realizar exames de sangue e de fezes. Em casos recorrentes de diarreia crônica e em pacientes com mais de 50 anos, pode ser necessária a colonoscopia, um exame em que se faz uma filmagem do intestino por dentro e, normalmente, se retiram fragmentos para fazer biopsia.
Com O Tempo