Um aplicativo desenvolvido na USP de Ribeirão Preto (SP) usa inteligência artificial para interpretar e avaliar a qualidade da fala de crianças com síndrome de Down. Através do som, ele auxilia no aprendizado da pronúncia correta das palavras e estimula o desenvolvimento.
Denominado de SofiaFala – por inspiração em uma criança conhecida do grupo que tem a doença -, o sistema está em fase de testes, mas deve estar disponível para download gratuito até julho deste ano, segundo Alessandra Alaniz Macedo, uma das coordenadoras do projeto.
“A gente pretendia que a criança, em casa, pudesse ter a prática do exercício fonoaudiólogo como se tivesse uma fonoaudióloga ali do lado”, afirma a pesquisadora.
A iniciativa surgiu de uma ideia da cientista da computação Marinalva Soares, de São José do Rio Preto (SP), insatisfeita com a falta de recursos para auxiliar a filha Sofia, que nasceu com síndrome de Down e que aos 3 anos ainda manifestava dificuldades na fala.
De acordo com dados estimados pela USP, um em cada 700 bebês no mundo nascem com Down, alteração genética no cromossomo 21 que compromete o desempenho intelectual. No Brasil, a doença atinge uma população estimada de 300 mil pessoas de diferentes idades.
Amiga de Alessandra, ela procurou a pesquisadora e sugeriu a elaboração, em conjunto, de um projeto para o desenvolvimento da tecnologia.
“Depois que Sofia nasceu, comecei a pesquisar muito sobre síndrome de Down e todas as dificuldades que eu poderia encontrar pela frente, diante de tudo que li, das pesquisas que fiz e o que pude constatar também com famílias, com pessoas que fui conhecendo, uma das maiores dificuldades na verdade seria com relação à fala e também o déficit intelectual”, diz.
Após a obtenção de um financiamento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), o aplicativo começou a ser desenvolvido em 2016 por uma equipe multidisciplinar no Departamento de Computação e Matemática, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Fonoaudiólogos e cientistas da computação, além de profissionais de áreas como terapia ocupacional, engenharia biomédica e psicologia, foram mobilizados.
A plataforma, por enquanto compatível com o sistema Android e testado por pacientes de uma ONG, do Centro Integrado de Reabilitação do Hospital Estadual de Ribeirão Preto (CIR-HE), e de clínicas particulares, tem uma interface lúdica que convida a criança a experimentar as palavras e a avaliar seu desempenho como se fosse um jogo com direito a estrelinhas e aplausos como respostas.
De um estalo de língua a um sopro, os sons ali registrados pelo usuário, que pode fazer tudo sozinho, não só são analisados por algoritmos do aplicativo, como também são enviados a um fonoaudiólogo da família, que consegue acompanhar a evolução do paciente.
“É como se a gente estivesse substituindo o caderno que a fono passa para a criança na atividade domiciliar. O que acontece é que o caderno não dá uma resposta, então a criança faz o exercício e os pais não têm habilidade de entender se está certo ou não. O aplicativo vai dar este feedback que a fono vai proporcionar. Se está certo ou errado, que são as estrelinhas do aplicativo”, afirma a fonoaudióloga Bianca Bortolai Sicchieri.
De acordo com ela, o objetivo não é substituir a terapia presencial, mas sim melhorar as atividades que devem ser realizadas em casa. “Esses resultados vão diariamente para a fono, então ela consegue ter um valor semana, diário, mensal, para ver como a criança está indo em casa.”
Segundo a coordenadora do projeto, o aplicativo também poderá ser aplicado em crianças sem Down mas que apresentem distúrbios na fala, além de pacientes de outras idades que passaram a ter problemas de comunicação depois de terem acidentes vasculares cerebrais (AVC).
O grupo ainda busca parcerias com empresas para aprimorar os recursos do aplicativo.
“A gente precisa investigar a possibilidade desse aplicativo ser estendido para esta população também e essa questão de você também tornar o aplicativo de uso global. A gente quer que a população brasileira como um todo possa usar”, afirma Alessandra.
Com G1