A comunicadora Ana Carolina Izidoro, 44 anos, trabalhava há quatro meses em um e-commerce de flores quando passou a ouvir broncas severas da proprietária. “Ela reclamava das minhas roupas, do meu perfume, da minha voz, tudo era motivo para implicar comigo.” As cobranças aumentaram, principalmente, depois que reclamou da situação para o outro proprietário. “Minha chefe me humilhava dizendo que eu era incompetente, que não adiantava reclamar, pois era dona da empresa e fazia o que queria. Que ela era superior a mim.
A situação levou a comunicadora a fazer terapia e tomar medicamentos calmantes. Até que foi demitida. “Ela mesma me mandou embora. E quando falei que iria processá-la, riu e disse que eu não teria coragem.” Saindo de lá, Ana Carolina procurou um advogado e levou o caso à Justiça.
Apesar do assunto estar cada vez mais em alta, a Justiça brasileira ainda julga casos de assédio moral como dano moral, de acordo com a Constituição Federal de 1988. O Código Civil brasileiro também trata do tema, ainda que de forma geral, ao determinar que é considerado ato ilícito causar dano a outra pessoa, ainda que exclusivamente moral. Mas isso deve mudar. A Câmara dos Deputados, em Brasília, já aprovou o projeto de lei que transforma em crime o assédio moral no trabalho. O texto agora passará pelo Senado e depois pela sanção do presidente da República para entrar em vigor.
Assédio ou exigência?
Como a legislação trabalhista ainda não traz uma definição específica para esse caso, existem interpretações sobre o que seria ou não assédio. “Ele pode ser caracterizado quando existe, de forma recorrente, comportamentos, atitudes, gestos e condutas abusivas, agressivas ou vexatórias, atingindo a dignidade do trabalhador e sua saúde física ou psíquica”, explica a advogada trabalhista Daniela Yuassa, do Stocche Forbes Advogados. Pode ser uma ofensa verbal ou escrita, desde que o conteúdo tenha o objetivo de constranger, humilhar ou diminuir um trabalhador.
Por outro lado, não são consideradas como assédio as cobranças, exigências e críticas construtivas. “Por isso é sempre importante analisar a situação de fato para identificar se houve ou não assédio moral”, alerta a advogada.
Canal de denúncias
Essa falta de clareza na legislação também afeta as empresas. A maioria prefere não se pronunciar sobre esse assunto. De acordo com o consultor Alexandre Benedetti, diretor da divisão de Recursos Humanos da Talenses, as grandes empresas estão criando canais de ouvidoria, que funcionam de forma independente, para receber essas denúncias, apurá-las e determinar as medidas necessárias para coibir a prática.
Em algumas, a comunicação é até anônima a fim de proteger a vítima. “Essa apuração pode ser tratada localmente, regionalmente ou globalmente. É um assunto muito sério e que, com a mudança das relações de trabalho, está ganhando mais força. Anos atrás, trabalhadores passavam por isso, mas nem identificavam o que estava acontecendo. Agora é diferente”, diz Benedetti. O que é errado, segundo o consultor, é deixar a denúncia de lado. Para ele, uma empresa séria e ética apura e toma as medidas necessárias.
O que deve fazer quem passa por uma situação constante de humilhação?
– O primeiro passo é sempre denunciar dentro da empresa. Reporte tal situação ao departamento de recursos humanos ou ao seu superior. Claro, desde que ele não seja o acusado de assédio.
– Caso o assunto não se resolva, então o próximo passo é encarar a Justiça. Neste caso, precisará provar que o fato realmente aconteceu.
“Justamente em razão da recorrência do pedido de assédio moral e da banalização dos pedidos, o que muitas vezes se referem a broncas pontuais e exigências profissionais do dia a dia do trabalho, a prova se torna crucial para determinar se vale a pena mover a ação”, explica a advogada Daniela Yuassa.
O que vale como prova?
– Mensagens de texto, como e-mail e conversas pelo celular, e testemunhas servem como provas.
No caso da Ana Carolina Izidoro, que foi vítima de assédio, um diário onde ela anotava tudo o que passava no cotidiano da empresa – e ali constavam as humilhações – foi o suficiente para demonstrar a veracidade da situação.
– Lembre-se, porém, que mentir ou forjar provas é um ato que pode custar caro. É que pela reforma trabalhista de 2017, o empregado que mover processo e perder, pode ser condenado ao pagamento de custas processuais e honorários.
Portanto, fique esperto! Mas se você é vítima, vá em frente. Sempre vale a pena. “Não me arrependo e faria novamente. Penso que as pessoas não devem se achar superiores por terem uma empresa. Os funcionários devem ser tratados como profissionais. Menosprezar e assediar machuca muito o outro”, finaliza Ana Carolina Izidoro.
Com UOL