Há pouco mais de um mês, o presidente Jair Bolsonaro fez um desabafo durante um encontro com jornalistas. Com o celular na mão, afirmou que o fim de “likes” no Instagram significava uma “interferência na mídia livre”. Bolsonaro foi incisivo: “Temos, hoje, uma mídia completamente livre, que é materializada por este pequeno instrumento aqui (referindo-se ao smartphone). O Instagram não tem mais likes, é uma tentativa de interferência”.
A julgar por uma decisão que está prestes a ser anunciada pelo Facebook, Bolsonaro tem mais motivos para se preocupar. Depois de o Instagram anunciar, em julho, o fim da contagem das curtidas nas publicações, agora é a vez de a maior rede social do mundo seguir pelo mesmo caminho.
Segundo o site americano de tecnologia TechCrunch, referência no setor, o Facebook começará, em breve, os testes para ocultar a contagem de likes. De acordo com uma fonte da empresa, que confirmou a informação, o objetivo da iniciativa é diminuir o clima de competição entre os usuários.
Não há detalhes sobre como será a mudança, mas o site dá algumas pistas. Uma das ideias é que a contagem de curtidas fique escondida, podendo ser acessada apenas pelo criador da postagem. Os testes para a aplicação da nova ferramenta deverão começar em breve e ela deverá ficar disponível até o fim do ano.
As redes sociais trouxeram benefícios para a sociedade. Elas criaram redes de relacionamento globais, simplificaram a comunicação, ajudaram na disseminação de informações e deram voz para milhões de pessoas que não tinham como ser ouvidas.
Tudo isso é verdade, mas as redes sociais também provocaram efeitos colaterais perigosos. De acordo com amplo estudo realizado pela Escola de Medicina da Universidade de Pittsburgh, dos Estados Unidos, elas afetaram a saúde mental, principalmente dos jovens e dos “heavy users”, como são chamadas aquelas pessoas que passam muitas horas por dia conectadas à internet.
Segundo o estudo, os números de interação nas publicações — ou seja, de curtidas — são catalisadores para depressão e ansiedade. Uma postagem que recebe poucos “likes” pode afetar a autoestima do usuário. As pessoas, concluiu o estudo, não estão preocupadas com o conteúdo da postagem, mas com o nível de interação.
É por isso que redes sociais, como Facebook e Instagram, estão inundadas de fotos de animais fofos, praias paradisíacas e cenas cotidianas com potencial para serem curtidas. “O problema é quando isso chega ao nível da paranoia, induzindo a pessoa a levar uma vida de fantasia apenas para ser popular na internet”, diz o consultor Rodrigo Rossetti, especializado em tecnologia. “É essa paranoia que Facebook e Instagram querem combater.”
Competição
As novas regras não vão apenas afetar os níveis de ansiedade das pessoas. Elas devem provocar mudanças profundas para quem usa as redes sociais profissionalmente. “Sem os números de curtidas, os chamados influenciadores digitais poderão perder relevância”, diz Eduardo Tancinsky, analista da área de tecnologia. “Eles terão que se preocupar mais com o conteúdo do que com a quantidade de curtidas. Ou seja, só os melhores vão sobreviver.”
O modelo de engajamento criado pelas grandes redes sociais estimulou o que os especialistas em marketing chamam de “artificialismo.” Muitas empresas compram seguidores e curtidas para forjar relevância. O mesmo vale para políticos, especialmente durante campanhas eleitorais: a aquisição de seguidores e curtidas pode tornar qualquer um popular da noite para o dia, mesmo que a popularidade seja uma farsa.
Em um seminário recente, Beca Alexander, presidente da agência americana de marketing de influência Socialyte, afirmou que o fim das curtidas obrigará as empresas a melhorar as suas métricas de avaliação de relevância. Segundo ele, elas serão cada vez mais analíticas e menos quantitativas. Isso é positivo: só vai vingar quem, de fato, tem conteúdo de qualidade a oferecer.
Não há dúvida de que a era dos likes tornou as redes sociais menos autênticas, mas também não se deve ignorar o fato de que a quantidade de likes costuma ser determinante para que um seguidor se interesse por um post. Em geral, dizem os especialistas, um número expressivo de likes é o gatilho que um vídeo precisa para ser visto. Sem isso, o que vai atrair o interesse das pessoas?
A questão é complexa e vai alterar a maneira como as empresas e as pessoas usam as redes sociais para consolidar suas marcas. Além do Instagram e do Facebook, o Twitter também estuda formas de tornar os engajamentos menos artificiais. Em palestra, durante o Web Summit de Lisboa, em Portugal, Evan Williams, cofundador da empresa, afirmou que mostrar o número de seguidores, provavelmente, foi uma decisão equivocada. “Isso deixou claro que o jogo é de popularidade”, afirmou.
Com Estado de Minas