Em meio a uma lista fria de números e terminologias médicas, com comorbidades que se espalham entre os mortos pela Covid-19 no Brasil, dois números, tímidos, saltam aos olhos durante a tragédia pandêmica do coronavírus.
Sinalizados com a cor verde no boletim epidemiológico do Ministério da Saúde dessa quinta-feira (2), que indica que as mortes ocorreram em pessoas fora do grupo de risco apontado pelas autoridades médicas, dois óbitos constam com associação ao termo “puerpério”.
Em triste ironia, a palavra, que vez ou outra também é chamada de “quarentena” ou “resguardo”, diz respeito ao período em que mulheres que acabaram de dar à luz passam por transformações físicas e hormonais após o parto.
Em termos mais crus, angustiantes, mas verdadeiros, a pandemia do coronavírus deixou, já no primeiro mês de disseminação no Brasil, dois órfãos recém-nascidos.
Números esses que somam aos dados oficiais de atingidos pela doença, que adoeceu 7.910 pessoas, segundo o Ministério da Saúde, e matou outras 299. Em Minas, há 370 infectados, com pelo menos quatro óbitos em decorrência do coronavírus.
Procurado, o Ministério da Saúde não soube precisar os dados de quem foram as mulheres, recém-mães, mortas pela Covid-19. Contudo, sabe-se, pelo boletim epidemiológico, que tinham menos de 60 anos e não apresentavam qualquer doença prévia à infecção pelo coronavírus.
A doença que atingiu, nessa quinta-feira, ao menos 1 milhão de pessoas em todo o mundo, já matou, no Brasil, outras sete pessoas que, sem quaisquer doenças associadas, estavam fora do grupo de risco. Uma delas foi um homem de 44 anos, que morava em Mariana, na região Central de Minas Gerais.
Enquanto os números se acumulam no país e no mundo, aumenta-se, assustadoramente, a quantidade de pessoas nas ruas do Estado na última semana. Segundo levantamento da Secretaria de Estado da Saúde, havia, no último dia 22, 75% de mineiros em quarentena. Nessa quinta, o percentual caiu para 56%.
Mesmo assim, tudo indica que, para quem pode,o ideal é ficar em casa – pesquisa aponta que, com isolamento, número de casos simultâneos em Belo Horizonte, no coração de Minas Gerais, pode cair de 600 mil para 11 mil.
Aliada à pandemia e ao caos que insurge de situações análogas à guerra, como as que estamos vivendo como sociedade, empilham-se epidemias no Brasil, que também espera surtos de H1N1 e Dengue neste período do ano.
Segundo o Ministério da Saúde, as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que, em suma, é uma complicação grave do sistema respiratório causado por várias comorbidades, aumentaram 197% em relação ao mesmo período de 2019.
Para complicar ainda mais a situação, grande parte da população brasileira, marcada por uma desigualdade histórica e cruel, boia na incerteza sobre a própria sobrevivência econômica.
Há o vírus, mas haverá o pão? O governo federal anunciou renda mínima emergencial aprovada pelas casas legislativas nesta semana, mas o cenário segue fúnebre e incerto.
Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, trocam farpas em arena pública sobre quem é mais “técnico” e quem é “indemissível”.
A única coisa que sabemos por enquanto é que, em meio a uma lista fria de números e terminologias médicas, a pandemia deixou dois órfãos, e poderá pôr toda uma sociedade doente.
Como é de praxe em crises sistêmicas como a que vivemos agora, será preciso repensar muitas coisas. Os meios de produção? A forma como organizamos a sociedade? O valor da vida? A economia? A política? A Saúde? A esperança é que, no fim disso tudo, a pandemia deixe menos cadáveres do que dúvidas no Brasil.
Com O Tempo