Expostas a uma incontável quantidade de informações sobre o novo coronavírus e agora em confinamento, longe das escolas, crianças se veem obrigadas a conviver com uma nova rotina, que por vezes pode ser assustadora. Neste contexto, muitos pais buscam evitar comentários sobre a pandemia, a fim de não sobrecarregar os sentimentos dos filhos e tentar protegê-los.
A escolha, entretanto, não é eficaz: os pequenos desenvolvem muito cedo a sensibilidade e a consciência para compreender situações problemáticas ao seu redor. Psicanalistas ouvidas pela reportagem dão dicas sobre como identificar momentos de angústia das crianças e de que forma lidar com o problema.
Isabel Kahn, psicanalista e professora de psicologia nas áreas de infância, família e adolescência na PUC-SP, afirma que as crianças captam estas emoções pela linguagem corporal e pela observação.
“Os pais acham que estão poupando [ao não falarem], mas é um equívoco. Até com perguntas não respondidas elas entendem que há algo [problemático] ali, por isso é importante não tomarmos como bobas as perguntas das crianças. Alguma coisa ela sabe e sente. Ela não vai entender sobre detalhes do vírus, mas percebe que tem o ‘bichinho’ que faz todo mundo ficar em casa e não a deixa chegar perto do vovô”, afirma Kahn.
Ela comenta que, na medida do possível e com uma conversa tranquila, os pais podem explicar o que se passa.
Psicóloga, psicanalista e professora em Psicologia na PUC, Ana Cristina Marzolla destaca que esta comunicação é necessária e a condição de compreensão de cada faixa etária deve ser levada em conta.
Para Marzolla, as crianças precisam saber que há uma gripe forte e não podem sair de casa, mas faz uma ressalva: “é importante dar um alento a elas, e dizer que, assim que passar, a vida voltará ao normal”.
Como perceber?
Se as crianças desenvolvem a sensibilidade muitas vezes antes da própria comunicação, os pais devem estar atentos a possíveis impactos da pandemia e o confinamento em seus filhos. Para identificar estes casos, Marzolla e Kahn apontam para o mesmo caminho: mudanças de comportamento.
Crianças mais agitadas que, de repente, mostram comportamentos introspectivos, ou as mais tranquilas se inquietando, podem ser sinais destes impactos.
Outras alterações comuns são na alimentação, quando o consumo aumenta ou diminui significativamente, e no sono, como a aparição de pesadelos.
“Às vezes a criança não consegue colocar em palavras, sente uma angustia e reage com o corpo. Por isso, é importante sempre prestar atenção”, assegura Kahn.
No caso de crianças de uma faixa etária pouco mais avançada, a partir dos cinco anos, Marzolla prega que os pais se atentem mais às perguntas dos filhos e tentem entender melhor os porquês delas. “Muitas vezes você consegue entender o que o filho sente pelas perguntas”, diz.
O que fazer?
Ao se observar estas mudanças de comportamento nos filhos, para Ana Cristina Marzolla, a melhor forma de tirar a criança dessa ‘espiral de estresse’ é dando saídas.
“Primeiro, não tentar sobrecarregar a criança com as informações. Depois, criar brincadeiras, bolar algo divertido, momentos lúdicos. Não precisa nem que toda família esteja reunida, mas ver o que a criança gosta e tentar. Se a filha está com saudade da amiga, faça uma ligação online. É sempre bom apresentar possibilidades”, aconselha.
Outro caminho, para Isabel Kahn, está no carinho e na presença: dentro das possibilidades, passar mais tempo com os filhos e envolver a criança na rotina pode ajudar.
“Conta uma história se houver dificuldades para dormir. Se a criança não consegue comer, senta junto e ajuda. Carinho e atenção a mais não vão deixar a criança ‘viciada’. Pelo conrário: se a criança não se sente acolhida, vai procurar sempre”, diz a psicanalista, que conclui: “Se estiver muito difícil, procure por ajuda: pediatra, escola, psicólogos, trocar ideias com amigos.”
Pais, cuidem-se
Um conselho valioso de ambas as profissionais é cuidar não somente da saúde mental dos filhas, mas também da própria. Para criarem um ambiente saudável e tranquilo, é necessário estar saudável e tranquilo.
Ana Marzolla orienta que os pais tentem usar a criatividade e procurarem por lazer para si mesmos. Quando estão estressados, segundo ela, os adultos não conseguem dar atenção para as crianças. “Há, por exemplo, muitos psicólogos oferecendo ajuda voluntária. Os pais podem procurar por atendimento se a situação estiver muito estressante”, aconselha.
De acordo com Isabel Kahn, é necessário avaliar se não há muita tensão no ambiente familiar e, se possível, reorganizar a rotina de toda família para aliviá-la: “É importante olhar pra si e entender que o momento é diferente. Muitas vezes, não sabemos fazer isso. E temos que contar com o filho como um aliado emocional nessa batalha.”
Da Redação com R7