Dependendo de quais partes da internet você frequenta, já pode ter ouvido falar em Parler. O nome tem circulado principalmente entre os grupos mais conservadores, como uma nova alternativa de rede social, para quem quer fugir do Facebook e do Twitter.
O que é?
O Parler não esconde seu objetivo de ser uma réplica do Twitter, mas sua aposta e promessa aos usuários é simples, descrita logo na página inicial do serviço. “Parler é uma plataforma social não-enviesada focada em diálogo aberto e engajamento de usuários. Nós permitimos a liberdade de expressão e não censuramos ideias, partidos políticos ou ideologias”, diz o site.
O aplicativo nasce em 2018 aproveitando-se de uma visão de que as redes sociais mais poderosas, que são Facebook e Twitter, não estavam trabalhando para proteger a liberdade de exposição de ideias e agiam de forma mais firme para controlar o discurso de uma parte específica de seu público: os conservadores.
Essa é uma posição que se tornou mais comum desde 2016, com a campanha eleitoral e a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. Desde então, ele acusa as redes sociais de um complô contra o conservadorismo, e as desconfianças não diminuíram desde então. Pelo contrário: as empresas têm sido pressionadas e tomado medidas mais enérgicas para limitar discurso de ódio e evitar a propagação de boatos e fake news, que tem afetado diretamente figuras do espectro político, como o próprio Trump e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Como plataforma, o aplicativo permite publicações de até 1.000 caracteres, o que é quase quatro vezes mais do que o Twitter. O Parler permite que cada um publique suas próprias palavras em sua timeline com os “parleys” (tuítes), ou então replique a publicação de outros com os “echoes” (equivalente aos retuítes). É possível também votar a favor de posts, que funcionam como uma curtida, ou usar a plataforma para troca direta de mensagens, como as DMs.
Pelas palavras da própria empresa, hoje o aplicativo conta com cerca de 2,7 milhão de usuários, o que não chega nem perto dos mais de 2 bilhões do Facebook ou 330 milhões do Twitter. É uma rede social bastante pequena, que mira um nicho.
Não há clareza sobre quem são as pessoas por trás do Parler até o momento. Os principais nomes conhecidos pelo público são o do CEO e cofundador John Matze, e Jared Thomson, diretor tecnológico e cofundador, mas eles não revelam quem investiu na plataforma. Quando questionado sobre o financiamento da rede social, ele diz que a ideia foi bancada por amigos que fizeram papel de investidores-anjo, cujos nomes são desconhecidos. Dan Bongino, comentarista político e ex-candidato ao Congresso dos Estados Unidos pelo partido republicano, disse ter comprado participação na companhia; é a única pista sobre quem são os donos do Parler até hoje.
A ideia da empresa é se manter a partir de anúncios, que por enquanto ainda não existem na rede social. O app promete não vender dados dos usuários e propõe uma modalidade de publicidade na qual a companhia combina anunciantes com influenciadores na rede social, recebendo uma parte da quantia. Além disso, também se propõe que usuários e empresas possam patrocinar a rede social.
O Parler é conservador?
Apesar de ter sido amplamente adotado pelo público conservador nos últimos tempos, a rede social deseja apresentar-se como uma plataforma completamente neutra, que permite a livre troca de ideias sem levar em conta seu posicionamento político. Pelo menos é essa a ideia que seus fundadores tentam passar.
Isso significa que os seus criadores, ao menos em tese, não querem ver sua plataforma se transformando em um reduto exclusivamente para o pensamento conservador. Em entrevista à CNBC, Matze define o aplicativo como uma praça pública aberta, em que qualquer um pode falar o que quiser sem sofrer censura, e isso inclui os “liberais”, termo usado para definir pessoas com pensamento político mais à esquerda nos Estados Unidos.
Para incentivar mais diversidade de ideias, Matze chegou a anunciar um pagamento de US$ 20 mil para personalidades com mais de 50 mil seguidores em redes sociais que defendessem abertamente políticas à esquerda e topassem se juntar à plataforma. Era uma forma de provar que não queriam ser um reduto para um único pensamento.
“A companhia nunca teve como objetivo ser uma coisa pró-Trump. Boa parte da audiência é pró-Trump. Eu não ligo. Eu não os julgo de qualquer forma”, diz Matze.
No entanto, há controvérsias sobre o quão aberta ao pensamento mais à esquerda a rede social realmente é. Há uma série de relatos publicados pela NBC que mostram que vários usuários que aproveitaram a rede social para “trollar” personalidades conservadoras. Por mais que a plataforma se diga totalmente aberta ao discurso contraditório, sem qualquer tipo de censura, essas pessoas acabaram banidas.
Além disso, mesmo que as acusações de censura aos esquerdistas sejam inválidas, a plataforma por si só já indica páginas e perfis de cunho conservador quando o usuário já se cadastra. Ou seja: se o objetivo não era abrigar a direita quando o serviço foi fundado, na prática essa virou a realidade do aplicativo.
É tudo liberado mesmo?
Não, não é tudo liberado. O Parler tem, sim, os seus limites no que pode e não pode ser publicado na plataforma. O app tem moderação mínima, mas há, sim, algum tipo de moderação, ainda que não haja nenhum tipo de checagem de fatos externa, permitindo a circulação livre de informação infundada. A moderação funciona apenas de forma reativa, quando recebe denúncias dos usuários, e não de forma ativa, caçando irregularidades.
Há alguns exemplos do que não é permitido: não se pode compartilhar pornografia, chantagear os outros, realizar “doxxing” (prática de expor dados pessoais de alguém), glorificar abuso de animais, passar-se por outra pessoa real ou empresa, realizar ameaças que “produzam um claro e presente perigo” de agressão pessoal.
Em outras palavras, o limite do Parler é o limite da ilegalidade. Em entrevista, Matzer diz que “se você pode falar nas ruas de Nova York, você pode falar no Parler”, o que abre espaço para uma multiplicidade de discursos mais extremados, desde que eles não sejam direcionados para agredir uma pessoa especificamente.
Por que esse movimento de migração?
Não é muito difícil reunir uma série de eventos dos últimos meses que levaram grupos conservadores a acreditarem que não são bem-vindos nas redes sociais convencionais. Donald Trump chegou a publicar uma ordem executiva com o objetivo de intervir em redes sociais depois de ver um post passar por uma checagem de fatos por uma agência externa, o que fez com que a publicação fosse cercada com um alerta de que o conteúdo era enganoso.
Posteriormente, o Twitter repetiu a dose com uma publicação de Trump contra os manifestantes do movimento “Black Lives Matters”, prometendo o uso de força letal em caso de vandalismo. Por política, a rede social não exclui posts de figuras de autoridade, cujas publicações são de interesse público, mas o post levou essa prática ao limite; o conteúdo pode não ter sido excluído, mas foi escondido atrás de um aviso de que ele feria os termos de uso da companhia ao incitar violência.
Isso não é uma exclusividade dos Estados Unidos. No Brasil, Bolsonaro teve sua cota de publicações podadas. Em março, Facebook, Instagram e Twitter excluíram um vídeo do presidente brasileiro julgando que eles traziam desinformação que poderia trazer danos reais à saúde das pessoas durante a pandemia de Covid-19. Em maio, uma publicação nos stories do Instagram também foi ocultada atrás de um aviso de que as informações ali eram inverídicas após checagem por uma agência independente.
Mais recentemente, Bolsonaro se viu envolvido em mais um problema com as redes sociais. O Facebook anunciou a derrubada de uma rede de perfis e páginas falsos que estaria sob o comando de aliados do presidente, incluindo seus filhos. A acusação era de que eles apresentavam um “comportamento inautêntico coordenado”, o que fere os termos de uso da plataforma. Aliados do presidente entenderam a ação como um ataque a apoiadores, sem assumir responsabilidade sobre os perfis.
Da Redação com OT