A promotora de Justiça Celeste Leite dos Santos entrou com um pedido de habeas corpus junto ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) em favor de mulher que foi presa após furtar duas garrafas de refrigerante, dois pacotes de macarrão instantâneo e um pacote de suco em pó em um supermercado de São Paulo. A mulher de 41 anos, mãe de 5 filhos, já teve o pedido de liberdade negado duas vezes pela Justiça.
O caso foi revelado pelo site Ponte Jornalismo. Em paralelo ao pedido da promotora, a Defensoria Pública e um advogado entraram com dois recursos junto ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) em favor da presa.
No pedido protocolado em 1º de outubro, a Defensoria pede que a prisão da mulher seja convertida em domiciliar. Eles argumentam que o furto da mulher é uma “conduta atípica” praticado para se livrar de uma situação de perigo.
“Qualquer sanção a conduta da paciente significa um desrespeito a proporcionalidade e um total contrassenso em movimentar a máquina estatal, que trabalha em seu limite, por fato que não representa qualquer proteção a bem jurídico relevante”, afirma trecho do pedido da Defensoria Pública.
O defensor público Diego Rezende Polachini, que assina o documento, acrescenta que o suposto risco de reiteração de delitos não atende ao processo penal, “e sim a uma função de polícia do Estado”.
“Roubei porque estava com fome”, teria dito, no ato da prisão em flagrante pela Polícia Militar, na noite de 29 de setembro, segundo boletim de ocorrência. O caso foi registrado dentro de um mercado da rede OXXO na Vila Mariana, em São Paulo. Somados, os produtos tinham valor total de R$ 21,69.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo assumiu o caso e encaminhou um pedido de afrouxamento da prisão aos juízes de primeira instância do TJ-SP, mas ele foi negado.
Então, os defensores públicos recorreram aos desembargadores da segunda instância, para que a prisão fosse convertida em domiciliar. A solicitação foi negada.
Para peticionar o pedido de liberdade, os defensores públicos basearam-se em entendimento divulgado em 2004 pelo STF (Supremo Tribunal Federal), conhecido no jargão jurídico como “princípio da insignificância”. A norma orienta juízes a desconsiderar casos em que o valor do furto é irrelevante ao ponto de não causar prejuízo. Mas, para os desembargadores, ela não se aplicaria ao caso em questão.
A reportagem teve acesso ao processo de indeferimento do habeas corpus solicitado ao TJ-SP pela Defensoria, redigido pelo desembargador Farto Sales e que contou com a participação dos desembargadores Eduardo Abdalla e Ricardo Tucunduva. Na decisão, os juízes explicam detalhes do crime cometido pela mulher, analisam sua situação civil e criminal e discorrem sobre as razões de negarem o pedido de relaxamento da prisão.
“Vale dizer, a inexpressividade econômica da lesão ao bem jurídico não pode, por si só, ser invocada para a aplicação indiscriminada do princípio, como verdadeiro beneplácito aos ladravazes que, diante de tamanha impunidade, sentir-se-iam ainda mais motivados à prática reiterada de crimes, tal como ocorre no caso concreto”, discorre Salles.
As circunstâncias do episódio, narradas no boletim de ocorrência, são citadas na decisão. “Abordaram-na, em posse de uma garrafa de refrigerante, e a indagaram, tendo ela assumido que subtraiu produtos porque estava com fome”, relembra Salles, sobre o relatório.
Um responsável pelo mercado declarou que ela foi vista pela câmera de vigilância pegando os produtos e os colocando em uma bolsa. Uma funcionária teria pedido a devolução das mercadorias e a mulher abriu mão de uma lata de leite condensado, mas se recusou a entregar o restante.
O fato de não ser ré primária acabou pesando na decisão. A mulher, inclusive, cumpria pena em regime aberto quando tentou furtar o mercado.
“Inviável a aplicação do princípio da insignificância ao furto praticado por acusado que ostenta diversas condenações transitadas em julgado, inclusive por crimes contra o patrimônio, o que evidencia a acentuada reprovabilidade do seu comportamento, incompatível com a adoção do pretendido postulado”, explicam os desembargadores.
“Como pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, a reincidência do réu, bem como o fato de ele responder a outros processos-crime, constituem motivação idônea para a decretação da custódia preventiva, com vistas a garantir a ordem pública.”
Outro ponto citado pela Defensoria ao peticionar a liberdade a mãe de cinco é que as crianças, entre 2 e 16 anos, precisariam dela, que, além de tudo, estaria desempregada e em situação de rua. Na negativa do habeas corpus, Salles aponta que a mulher mora com os pais.
“Não se demonstrou imprescindível a necessidade da soltura para cuidar das crianças, tarefa igualmente possível aos avós ou outros familiares (cuja inexistência não se cogitou, indicando-se, ao contrário, estar a prole sob os cuidados de sua genitora), cabendo salientar haver a própria ré provocado seu afastamento dos menores ao se envolver, em tese, com a prática de novo ilícito.”
Procurado pela reportagem, o Grupo Nós, responsável pela marca OXXO no Brasil, lamentou o incidente. Em nota, a companhia informa que, no momento do ocorrido, uma viatura da polícia que passava no local presenciou o caso e atuou na ocorrência, pedindo informações à empresa. “O caso agora está sob responsabilidade dos órgãos competentes”, concluiu.
Da Redação com Otempo/Folha Press