Desde quando foi fundada em 1961, os moradores de Itapororoca não pagam o valor da taxa correspondente ao uso de água. Dentre os poucos municípios da Paraíba cujo sistema de distribuição de água é gratuito, Itapororoca é a única que possui uma nascente que funciona como reservatório próprio. Mas com o crescimento populacional, o município enfrenta atualmente uma crise hídrica. A concessão do serviço à Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) já foi aprovada, mas ainda não há data para a empresa assumir a gestão e nem previsão para que isso ocorra.
Durante as secas mais severas, a nascente da cidade jamais secou. Ela é considerada direito inalienável da população itapororoquense. Trata-se de um recurso hídrico protegido por lei municipal. Porém, ela foi pensada, inicialmente, para atender a necessidade de mil famílias. Atualmente, Itapororoca ultrapassa o total de 5 mil residências só na área urbana e não possui mais capacidade hídrica de satisfazer todos os moradores.
Essa situação faz com que o racionamento de água seja cada vez mais frequente. Além disso, também há problemas de contaminação do solo que colocam em risco a qualidade da água ofertada. Segundo a prefeitura, a água que abastece a cidade é atualmente considerada insatisfatória, mas não imprópria.
A pesquisadora Jéssica de Lima Silva, que possui um estudo intitulado ‘Caracterização do sistema de abastecimento d’água na área urbana do município de Itapororoca’, explica que o que ocorre na região é uma ‘anomalia hidrogeológica’ pela grande absorção de água existente naquela área. “É deste potencial hídrico que é captada a maior parte da água que abastece a cidade, beneficiando mais de 10 mil pessoas. Também abastece as piscinas do balneário da nascença, que existe na região, e serve para a irrigação de lavouras no entorno da nascente”, diz o estudo.
O abastecimento da cidade de Itapororoca é realizado pela força da gravidade, sem a necessidade de motores ou bombas. O que explica isso é a variação altimétrica entre a fonte e a área urbana, pois a nascente está localizada em uma área elevada: são 98 metros de altura em relação à cidade. A encanação principal, que liga a água da fonte para a caixa central, é feita de amianto. É um encanamento bastante antigo e remete à fundação da cidade. O tratamento é feito pelos próprios consumidores que utilizam uma gota de cloro a cada 1L de água.
Itapororoca é uma cidade que fica localizada na Zona da Mata, especificamente na região geográfica imediata de Mamanguape e Rio Tinto. Sua população estimada foi de 18.664 habitantes, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2019. Sua área é de 146,067 km.
No Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), consta que a água dessa nascente possui padrões de qualidade e potabilidade, sendo necessário apenas a desinfecção com o uso de cloro. “Mas para um bom monitoramento dessa qualidade são feitas análises mensais na água, o que possibilita maior segurança na hora do consumo por parte da população”, informa o estudo de Jéssica Lima, sobre a qualidade das águas da cidade.
“Devido principalmente ao crescimento populacional na zona urbana e a degradação ambiental na área do Parque da Nascença houve modificações consideráveis quanto à disponibilidade de água no local e ao acesso dela por parte da população”, diz o estudo de Jéssica de Lima .
O Parque da Nascença, mencionado pela pesquisadora, é uma área de preservação ambiental do município que dispõe de resquício da Mata Atlântica e que possui piscinas que também são abastecidas pela nascente. Para ela, o Parque da Nascença é “o ponto crucial quanto à aplicação de benfeitorias, uma vez que é considerada uma área de extrema importância para todo sistema de abastecimento de água. As ações para a área são de caráter imediato ou emergencial”.
Essa escassez e racionalização da água, bem como os riscos de contaminação, dada a degradação do solo, que levanta suspeitas para alguns moradores, faz com que as pessoas procurem outras alternativas. Alguns, por conta própria, furam poços artesianos em seus quintais, outros ainda possuem cisternas que são abastecidas por carros pipas que trazem as águas de outras nascentes da região. Além disso, vender água mineral em Itapororoca é parte da vida do comércio local.
A pesquisa realizada por Jéssica envolveu ir a campo conversar com as pessoas, desta forma, em 2016, ela constatou que 40% compravam água mineral para o consumo; 35% consumiam água direto das torneiras; 17% usavam água direto da torneira e mineral; 5% captavam água de poços ou cacimbas presentes nas zonas rurais; e apenas 3% consumiam água da torneira, mas tratada com cloro.
Apesar de satisfeitos com a isenção da taxa, os itapororoquenses possuem queixas relacionadas ao racionamento e eventuais falta de água no município. Atualmente, a gestão considera que a cidade enfrenta uma “crise hídrica”.
Em sua pesquisa de campo, Jéssica também avaliou a opinião da população acerca do processo de estatização da água. Constatou que 33% acreditam que para sanar o problema da disponibilidade de água é necessária a inserção dos serviços da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa); 30% afirmaram que o melhor é investir em novas fontes que venham a complementar a água disponível na fonte da Nascença; enquanto 27% opinaram que a preservação da fonte da Nascença é suficiente; 7% acham que a ação adequada é preservar o parque da nascença (fonte atual) e investir em novas fontes, e apenas 3% não opinaram, aponta o estudo.
“O projeto de convênio com a Cagepa é um benefício para a população, que infelizmente prefere pagar por tonéis de água. Mas quando o assunto é melhoramento do abastecimento, e para isso acontecer a Cagepa precisa vir, a cidade não aceita. Não entendem que já estão pagando da mesma forma”, diz a pesquisadora, que utiliza água a partir de um poço artesiano que furou no quintal de casa. Ela acredita que a inserção dos serviços da Cagepa deve trazer maior qualidade da água para Itapororoca.
O argumento central de sua pesquisa é que, embora na fonte a água seja cristalina, até chegar na torneira do lares itapororoquenses, ela passa pela antiga encanação, cuja partes são feitas de amianto, substância relacionada à ocorrência de diversas doenças, dentre elas, câncer. Nesse sentido, ela entende que é necessário realizar a troca do encanamento, ação que a Cagepa deve se responsabilizar.
“Vai ser uma conta a mais”
Uma moradora, que prefere não ser identificada, contou ao g1 que não sofre tanto com a falta de água. “Temos caixa de água, que é abastecida duas vezes na semana. Eu não sofro tanto com a falta de água, consigo reservar, sempre que ligo o chuveiro tem água”, diz. Ela mora com a avó no bairro São João I.
“Mas conheço outros bairros que a água só chega uma vez na semana, como é o caso do Centro da cidade. Uma colega minha tem que ficar acordada tentando reservar, pois a água não chega pela encarnação, que é antiga”, explica. Quanto a possibilidade de estatização ou privatização da água, a moradora explica que a maioria dos itapororoquenses não concordam com a ideia.
“A maioria das pessoas da cidade são contra. Elas preferem passar por essa dificuldade ao invés de ter uma conta de água no fim do mês, pois vai ser uma conta a mais”.
O que incomoda a moradora é perceber o desperdício de água por parte de outros moradores. “Uns têm abundância e outros não tem”. Ela concorda que a Cagepa deve se instalar na cidade e afirma que “água é saúde, a gente tem que cuidar da nossa saúde. Não adianta nossa cidade ser tão rica de água, mas não ser própria para o uso”, diz.
O que diz a Cagepa
O g1 entrou em contato com a Cagepa para saber se há prazo de instalação na cidade, mas foi informada que “o abastecimento de água da cidade encontra-se em processo de legalização junto à Cagepa, por meio das microrregiões”. Segundo a empresa, ainda não há previsão de instalação no município.
Segundo o presidente da Cagepa, Marcus Vínicius, o orgão fez um convênio de cooperação técnica. Mas na sequência houve uma mudança do processo com a nova Lei de saneamento, que não permite mais a contração direta com o município. Com a instituição das microrregiões e o ajuste ao novo marco legal, essa discussão de desloca do município para a gestão colegiada da microrregião do litoral do qual Itapororoca faz parte.
“Desta forma, existe um processo a ser feito, assim como outros municípios, que vão pleitear o colegiado microrregional a prestação direta pela Cagepa, e isso vai ser votado pelo Estado, que tem 40% dos votos, e pelos demais municípios, que tem 60% dos votos, necessitando apenas de maioria simples para sua aprovação”, explica o presidente da Cagepa.
“A partir daí, se faz todo um regimento de prestação de serviço com estabelecimento de metas, negociações de prazos, de qualidade de fornecimento da água, etc. Nós vamos fazer as contratações devidas para levantamento dos custos do projeto, e fazer o diagnóstico do município”, diz Marcus Vinicius. Até o momento, não há estimativa do quanto irá custar para a Cagepa assumir a gestão de água no município.
Com g1