A etiqueta sexual é um assunto que vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões sobre consentimento, respeito e prazer na prática sexual. É comum que muitas pessoas tenham dúvidas sobre como agir e o que fazer durante o sexo, especialmente em relação à comunicação e aos limites. Uma das principais questões que surgem é se existem regras durante o sexo. “Essa é uma discussão relevante, que precisamos ter para enterrar de vez o problema do assédio e da importunação sexual, mas isso não significa que o sexo tenha que passar a ser compreendido como algo absolutamente burocrático, que envolva quase um questionário”, defende o sexólogo Eduardo Siqueira Fernandes. Ele indica perceber, em sua rotina, um excesso de receios que não se aplicam a relações saudáveis. “Noto certa angústia gerada por um temor descabido de que, mesmo em um contexto de consensualidade, atitudes espontâneas em uma transa sejam interpretadas como equivocadas”, comenta.
Embora não exista uma lista oficial e universal de regras a serem seguidas em um encontro sexual, Fernandes acredita ser fundamental ter atenção a dois tópicos: o consentimento e a legalidade daquela prática. E, para tal, além de bom senso, não há outro caminho a não ser a comunicação entre os envolvidos. Ou seja, é crucial que as pessoas prestem atenção a sinais não verbais e se disponham a perguntar à parceria o que ela gosta e onde e como prefere ser tocada. Aliás, não há nada de errado em pedir orientações ou sugestões durante o ato sexual. “Mas é importante existir um ambiente em que todos se sintam confortáveis para dar sinais claros de que estão dispostos a ter relações e a expor possíveis desconfortos. Então, a partir do momento em que uma pessoa não queira mais, caso ela deixe de ficar confortável, deve-se estabelecer um ponto-final”, aponta.
Mauro Emílio, comerciante que atua e frequenta a cena fetichista de Belo Horizonte, por outro lado, sustenta que, em algumas situações, sinais não verbais seriam imprecisos e pouco confiáveis. “No BDSM (conjunto de práticas consensuais envolvendo bondage e disciplina, dominação e submissão, sadomasoquismo), por exemplo, há quem goste de simular dor e sofrimento quando, na verdade, está sentindo prazer. E, mesmo fora desse meio, vemos que as pessoas aprendem coisas tão erradas sobre sexo pela pornografia, ouvindo amigos ou influenciadores, que podem também acabar dissimulando comportamentos e fingindo gostar do que não estão gostando”, sublinha ele, que acredita que a sociedade em geral tem muito a aprender com os adeptos do fetichismo.
Ponderando que, nesse meio, os encontros têm suas peculiaridades – “para começar, não há necessidade de que haja sentimentos nessas relações” –, Emílio lembra que as pessoas que praticam o BDSM seguem a regra do “SSC”, sigla para “são, seguro e consensual”. “Isso significa que, durante a prática, a pessoa não pode estar embriagada, sob uso de drogas, que o ato não pode implicar risco de vida e que não se deve fazer o que não foi combinado antes”, detalha.
O comerciante ainda contextualiza que a cultura fetichista vem de países como os Estados Unidos, em que as relações sociais costumam ser mais protocolares. “Antigamente, as partes faziam contratos em papel sobre o que poderia ou não acontecer. Hoje, essas regras são acordadas de maneira mais informal, em um encontro prévio em que as pessoas se conhecem, conversam e combinam tudo”, lembra, reconhecendo que tanto protocolo pode ser um obstáculo para a cultura latino-americana, reconhecidamente mais calorosa. No entanto, ele acredita que, em alguma medida, essas práticas estão começando a ser adotadas no Brasil, o que pode ajudar a promover uma maior abertura para se falar de sexo sem constrangimentos. “Muitas vezes, os famigerados ‘dates’, que acontecem atualmente, são feitos com esse objetivo”, reflete, acrescentando que o movimento “Não é não” contribui para essa mudança. “É um fenômeno que está ensinando os homens a ouvirem e as mulheres a se expressarem com clareza e sinceridade”, diz.
Emílio crê que, a partir dessa mudança de paradigmas, mais pessoas vão se dar conta de que a atenção aos sinais não verbais não pode substituir o diálogo. “Tanto que, no BDSM, tudo é combinado previamente, incluindo a palavra de segurança, usada para determinar os limites da prática”, informa.
Limites
O sexólogo Eduardo Fernandes avalia que, como em todos os tipos de relações, limites devem ser estabelecidos. “Na transa, eu preciso respeitar a proposta que o outro está trazendo, entender que o sexo precisa ser prazeroso para todos. E isso significa respeitar as condições do outro, saber até onde o outro quer ir”, pontua, lembrando que essas preferências não são imutáveis, variando de pessoa para pessoa e de contexto para contexto. “Assim, para identificar quais são os limites da nossa parceria e evitar constrangimentos durante o encontro íntimo, não há outro caminho que não seja conversar mais e mais abertamente sobre sexo”, sugere, em consonância com reflexões que Mauro Emílio propõe a partir de sua própria experiência.
Fernandes lembra que, diferentemente do que seria o cenário ideal, as pessoas geralmente não falam de seus desejos, gostos e preferências, não falam sobre o que poderia ser feito para ampliar o prazer e sobre o que não gostariam que acontecesse. Ele prossegue: “Eu costumo dizer, na terapia, que o ato sexual precisa ser conversado já no café da manhã. Ou seja, deve-se falar de sexo no dia a dia, tratando-o como um assunto comum, do cotidiano, sem tanta solenidade e tabu”.
Experimentação
O pudor excessivo em se falar de sexo leva a outro problema enfrentado, silenciosamente, por muitos casais: o roteiro sexual primitivo, ou seja, a repetição de práticas sexuais comuns e sem inovação. Embora seja natural que as pessoas tenham suas preferências e rotinas sexuais, o sexólogo pondera que melhor seria se as pessoas se sentissem à vontade para falar sobre desejos, dizendo, inclusive, se querem experimentar coisas novas – mesmo que seja para a pessoa descobrir que não gosta daquela novidade.
“Para fugir desse roteiro, existem diversas opções. Em comum, todas começam por uma comunicação aberta e sincera entre os parceiros, que precisam se sentir à vontade para expressar seus desejos e fantasias sem medo de julgamentos. A partir de então, é possível buscar novas formas de prazer, experimentando novas posições, brinquedos eróticos e técnicas de estimulação”, assegura Fernandes, que define a etiqueta sexual como um conjunto de práticas que englobam fundamentalmente comunicação e consentimento, possibilitando que as parcerias estejam confortáveis e seguras durante o ato e que haja conexão e confiança mútuas. “Ao seguir essas diretrizes simples, é possível que todos tenham uma experiência sexual prazerosa e saudável”, conclui.
Com O Tempo