Imagine a seguinte situação: uma pessoa liga do banco perguntando se você está satisfeita com o empréstimo. Você não está: afinal, nem contratou o serviço. Para cancelar, eles pedem seus dados, uma selfie e passam uma chave Pix para que você devolva o montante. Felizmente, a aposentada de Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte, ligou antes para um advogado. Ele logo a orientou a não fazer a devolução do dinheiro. Ela seria vítima de dois golpes: a falsa contratação de um empréstimo e o consequente roubo do valor não pedido por terceiros, explica Felipe Salomão, advogado especialista em instituições financeiras.
Para evitar esse tipo de golpe, cada vez mais recorrente, e também o assédio por parte de instituições de créditos, que acabam manipulando idosos a autorizarem esses serviços, foi aprovado na última semana o projeto de Lei 374/2022, que proíbe a oferta de empréstimos consignados a idosos por telefone e mensagens em BH. O projeto agora aguarda a sanção ou veto do prefeito da capital mineira, Fuad Noman. Há propostas similares em tramitação no Estado, PL 2.756/21, e no Brasil, PL 9942/2018.
“O alvo é quase sempre aposentados do INSS que ganham até 2 salários mínimos”, conta o advogado Felipe Salomão. O caso de Pedro Leopoldo é apenas um entre as cerca de 20 pessoas acima dos 60 anos que o procuram todo mês para questionar a contratação de empréstimos que não foram pedidos. “O crédito consignado é muito lucrativo”, explica o advogado. Nesta modalidade, as parcelas são descontadas direto da folha de pagamento. Não há risco para o credor.
No caso de Pedro Leopoldo, o próprio banco apresentou um contrato digital utilizando a selfie da aposentada para tentar simular a assinatura via reconhecimento facial. Desde fevereiro, o consignado passou a ser autorizado no país por meio de biometria facial.
Só em 2022, foram registradas 57.874 queixas do golpe do consignado nos Procons de todo o país. Em dezembro, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou Ação Civil Pública (ACP) para que o Banco Pan revertesse danos de empréstimos, inclusive de crédito consignado, sem autorização dos clientes. O pedido era de um bloqueio de R$ 10 milhões da instituição financeira e solicitava ainda a descontinuidade dos contratos por meio do sistema de biometria facial.
Segundo Felipe Salomão, os casos de fraudes que prejudicam os idosos são diversos e vão desde o empréstimo sem autorização até renovações de contratos automáticos. Os idosos vêem o dinheiro na conta, acreditam que é algum adiantamento de 13° salário ou outra coisa e acabam gastando. “Quando é uma quantia maior, eles tentam entender de onde veio. Mas muitas vezes é difícil para aqueles aposentados, com pouca instrução, cancelarem o empréstimo. A maioria é de bancos digitais, que não tem sede”, detalha o advogado.
É comum os casos em que os próprios funcionários das instituições financeiras, de posse dos dados do cliente, atuem de má fé para bater metas ou ganhar comissões, explica o advogado. “Muitas vezes as vítimas procuram o Procon , mas não resolvem o problema. Se o banco se negar a cancelar, a única maneira é buscar o judiciário”, explica o advogado. Ele conta que a fiscalização da área é mínima: “e você lida com setor muito forte, que é dos bancos. Tudo que prejudica a instituição financeira sofre grande resistência no Brasil”, observa Salomão.
O coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, também observa que o lobby bancário é muito forte. “Tomara que o prefeito sancione esse projeto de lei. Precisamos defender consumidores”, afirma. Ele explica que durante e “após” a pandemia cresceu consideravelmente o número de queixas relacionadas à empréstimos consignados não pedidos. “Os idosos passaram a ficar mais em casa e se tornaram vítimas fáceis de golpes por telefone”, conta.
Ao perceber esta tendência, o Procon lançou a campanha #desligueotelefone, que visa orientar os aposentados e pensionistas a não passarem dados sensíveis a estranhos e nem fechar nenhum acordo por telefone. “Você que deve manifestar o interesse de querer o dinheiro e não o contrário”, argumenta Barbosa.
O coordenador do Procon lembra que, caso caia um dinheiro indevido na sua conta, o primeiro passo é não gastá-lo . “Tem gente que vem aqui um ano e meio depois e gastou R$ 5 mil e agora precisa devolver. O consumidor tem que estar atento”, explica.
Ele ainda orienta os consumidores a nunca fecharem um contrato de empréstimo consignado por telefone. “Há golpes tão refinados que uma pessoa te encaminha para uma suposta central de atendimento e até a música de fundo é igual a do banco. Você pensa que está ligando para lá e não está. Comodidade é campo fértil para golpista”, explica.
Barbosa explica que o Procon atua de forma preventiva. Em casos de golpe, a vítima precisa fazer uma reclamação formal junto ao Banco Central e entrar com uma ação na Justiça.
Veja 7 dicas para não sair prejudicado em casos de empréstimos consignados:
Confira sempre seu extrato bancário e o da aposentadoria. Desconfie de valores recebidos indevidamente
Ao receber uma ligação, não passe nenhuma informação
Ao perceber qualquer irregularidade, procure o banco, vá ao Procon e registre um boletim de ocorrência
Nunca devolva o dinheiro para quem alega que é da instituição financeira. Desconfie!
Se quiser um empréstimo, vá a um banco acompanhado de uma pessoa da sua confiança
Caso contrate um empréstimo, confira o valor das parcelas, quantas serão e qual a taxa de juros. Saiba exatamente quanto você vai pagar ao final por esse dinheiro
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Com O Tempo