No mundo moderno, no qual a tecnologia permeia quase todos os aspectos de nossas vidas, os smartphones tornaram-se uma extensão essencial de nosso ser. No entanto, o uso excessivo desses dispositivos eletrônicos tem despertado preocupações crescentes em relação aos efeitos que eles podem ter em nossa saúde cerebral e emocional. No Brasil, país que ocupa a segunda posição no ranking global de uso de smartphones, elaborado pela empresa Electronics Hub, atrás apenas da África do Sul, a questão assume ainda mais relevância. São cerca de 9 horas e 32 minutos, quatro apenas nas redes sociais, o que representa 58,2% do tempo médio em que estamos acordados. Vale lembrar, ainda, que existem mais dispositivos do que habitantes no país, segundo o Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGVcia).
Diante desses dados, o médico neurocirurgião Felipe Mendes, membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, alerta que sobram razões para se preocupar, embora ele sublinhe que o celular não é, por si, um vilão para a nossa saúde, sendo uma ferramenta interessante que nos ajuda a solucionar inúmeros problemas. “Um dos grandes benefícios é a possibilidade de o celular funcionar como um segundo cérebro. Aqueles detalhes e informações mais simples podem ser armazenados, deixando nosso cérebro com ‘mais espaço’ para focar atividades mais criativas e mais importantes”, pontua.
Integrante do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG), Cristiane Nogueira concorda. Para ela, a utilização cada vez mais intensa do celular é justificada, primeiramente, pela própria praticidade representada pelo aparelho. “É uma ferramenta que tem características próprias, é portátil, podemos levar para onde vamos. Ainda tem a questão da internet, que acaba nos conectando a uma infinidade de possibilidades de diálogos e de conteúdos”, pontua.
Feita a ponderação e compreendendo que a praticidade e a utilidade dos smartphones são pontos que corroboram o seu uso, ambos os especialistas sinalizam que a utilização intensa e a forma como as pessoas lidam com os aparelhos podem oferecer riscos e indicar, também, patologias. Este é o caso da nomofobia, transtorno caracterizado pelo medo irracional de estar sem o celular. O termo que define a doença é derivado da expressão em inglês “no mobile phobia”, que em tradução livre indica a própria fobia de não estar com o aparelho.
Além disso, Mendes destaca já existirem estudos demonstrando que o uso excessivo de smartphones pode afetar negativamente a memória e a cognição, uma vez que a constante exposição a informações fragmentadas e de fácil acesso pode diminuir nossa capacidade de reter e lembrar dados de forma eficiente. Além disso, a dependência do smartphone para atividades de busca e armazenamento de informações pode reduzir a capacidade do cérebro de processar e consolidar o conhecimento de forma profunda e significativa.
“O celular, em combinação com as redes sociais, tem um efeito diferenciado e consegue prender a nossa atenção de uma forma muito mais intensa que a TV ou os computadores”, contextualiza, pontuando que o hábito de passar longos períodos na tela do smartphone pode afetar negativamente a atenção, a concentração, a aprendizagem e a memória, com possíveis prejuízos na saúde mental e física, ocasionando, por exemplo, problemas de visão e de postura, além de comprometer a interação social.
O neurocirurgião admite que, por se tratar de uma tecnologia nova, os efeitos em longo prazo do uso imoderado dos smartphones sobre o cérebro dos adultos ainda não podem ser medidos e avaliados. “Mas, por outro lado, já existem pesquisas confiáveis avaliando esses efeitos imediatos, principalmente para as crianças e adolescentes”, informa, citando que, nesses trabalhos, é possível perceber uma relação entre o uso excessivo desses dispositivos e prejuízos na concentração, na memória, no vínculo de criação de dependência, além de baixa tolerância à frustração e maior probabilidade de desenvolvimento de transtornos mentais, por exemplo.
Atenção fragmentada
Felipe Mendes informa que a presença constante do smartphone em nossas vidas pode comprometer também a nossa capacidade de atenção, tornando-a fragmentada e prejudicando nossa capacidade de concentração e foco, uma vez que as repetidas interrupções por notificações e mensagens podem levar a um estado de distração crônica, diminuindo a produtividade e aumentando o estresse. Além disso, há evidências de que a multitarefa digital, como alternar rapidamente entre várias tarefas no smartphone, pode levar a um declínio na eficiência cognitiva e a um aumento nos erros.
Para o especialista, a utilização do celular por mais de três ou quatro horas por dia – mais que o dobro do tempo médio gasto pelos brasileiros frente a telas, conforme dados analisados pela Electronics Hub – já é considerada um comportamento de uso abusivo. Mas ele pondera ser importante salientar que muitas pessoas necessitam do celular como instrumento de trabalho e, portanto, não têm alternativa, ficando muito mais tempo expostas às telas.
“Para que não ocorram prejuízos na atenção nem procrastinação, deve-se pensar em estratégias para tentar criar um modelo de utilização mais eficiente. Ao permanecer muito tempo na frente do celular, menor é a habilidade de focar uma única atividade. Um estudo feito pela Microsoft, por exemplo, apontou que o tempo médio de atenção, atualmente, é de oito segundos. Como há muita informação disponível, nós nos dispersamos com mais facilidade e nos concentramos menos”, menciona. “O smartphone facilita a rotina e, sem dúvida, tem inúmeros pontos positivos, mas o fato de fazer várias atividades ao mesmo tempo faz com que nenhuma tarefa seja executada com qualidade. Uma dica valiosa é: se está trabalhando, utilize o celular somente para o trabalho, evitando o uso de redes sociais e outros aplicativos”, sugere.
Saúde emocional e dependência
O neurocirurgião Felipe Mendes ainda alerta que o uso excessivo de smartphones também tem sido associado a problemas de saúde emocional. A presença constante em redes sociais, por exemplo, pode favorecer um comportamento de comparação social permanente, alimentando uma sensação de inadequação e contribuindo para o surgimento de problemas como ansiedade, depressão e baixa autoestima.
Além disso, ele avalia que a gratificação instantânea proporcionada pelas notificações e pelos likes nas redes sociais pode criar um círculo vicioso de busca por recompensa, resultando em um comportamento de dependência semelhante ao observado em vícios tradicionais. “De forma simplificada, todo estímulo, quando associado a um efeito positivo no nosso cérebro, pode levar à liberação de algumas substâncias, como, por exemplo, a dopamina – neurotransmissor associado à sensação de prazer e bem-estar. Com isso, nosso organismo deseja cada vez mais passar por esses momentos. Dessa forma, cria-se um circuito em que há uma busca constante por notificações, curtidas, comentários, além do consumo de inúmeras outras informações. Com o tempo, para causar o mesmo efeito de bem-estar, a quantidade e o volume desses atos precisam ser maiores, fazendo com que o usuário fique cada vez mais preso dentro do celular”, explica. As consequências dessa dependência incluem prejuízos nos relacionamentos pessoais, no desempenho academico e profissional, levando também ao isolamento social e à negligência de atividades físicas.
Construindo uma relação mais saudável
Se é verdade que a tecnologia dos smartphones oferece inúmeras vantagens e facilidades para nossa vida cotidiana, o que pode justificar sua presença constante em nosso dia a dia, é também fato que o uso excessivo desses dispositivos representa um desafio significativo para a saúde mental e emocional em uma sociedade cada vez mais conectada. Nesse cenário – sobretudo considerando que o uso de celulares é tão disseminado no Brasil –, especialistas defendem que a conscientização da população sobre os riscos associados ao uso excessivo desses dispositivos é fundamental.
Pensando nisso, o neurocirurgião Felipe Mendes elenca uma série de estratégias de uso consciente da tecnologia, investindo, por exemplo, em medidas de limitação do tempo de tela e estabelecimento de períodos de desconexão. “Existem algumas dicas que podem tornar seu uso um pouco mais saudável, a saber: desativar as notificações de aplicativos; colocar os aplicativos de redes sociais de forma mais escondida; durante o trabalho, focar apenas aquilo que é relacionado ao trabalho; estabelecer horários para checar redes sociais e e-mails; evitar o uso do celular pelo menos uma hora antes de dormir”, enumera. “Para aqueles que acham que não conseguem lidar sozinhos com todos esses dilemas, os profissionais de saúde especialistas estão à disposição para auxiliar nesse processo, em colaboração com toda a família”, conclui.
Saúde pública. Além dessas medidas individuais, a psicóloga Cristiane Nogueira defende que, com uma participação tão intensa no cotidiano humano, os celulares e seus usos precisam ser ainda mais debatidos. “Costumo dizer que não fazemos esse tipo de debate em relação ao carro. Já sabemos os riscos que um veículo pode trazer, existe toda uma educação para o trânsito, o pedestre e o motorista. Ninguém fala ‘não use o carro’, então não devemos falar ‘não use o celular’, mas acho que nos falta uma educação para o uso responsável do aparelho e das telas, porque são coisas que chegam na nossa vida de uma maneira muito imediata e avassaladora”, afirma.
Nesse sentido, ela indica que a promoção de campanhas de saúde pública associadas a uma diretriz de educação digital abrangente, que atenda tanto jovens quanto para adultos, é um caminho para uma conscientização coletiva, levando ao desenvolvimento de habilidades de autorregulação e de um relacionamento saudável com a tecnologia. Por fim, a psicóloga cita que ainda são necessários mais investimentos em pesquisas contínuas que permitam compreender melhor os efeitos do uso excessivo de smartphones no cérebro e na saúde emocional, bem como desenvolver estratégias de intervenção eficazes para aqueles que desenvolvem dependência tecnológica.
Com O Tempo