Em dados divulgados nesta quinta-feira (20) pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 74.930 estupros em 2022, sendo o maior número da série histórica medidos desde 2011 – representa um aumento de 8,2% em relação ao ano de 2021.
O número corresponde somente a casos que foram notificados às autoridades policiais. Juliana Brandão, pesquisadora-sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, órgão que realiza a pesqusa, ressalta que o dado representa apenas uma fração do cenário da violência sexual no país. “O estupro é o ápice da violência sexual. Não temos a quantidade total de vítimas porque, pela sua natureza, este é um crime subnotificado”, afirma.
Estudo recente do Ipea indicou que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados à polícia — apenas 4,2% constam dos registros dos sistemas de informação da saúde. Dos casos de estupro notificados, 61,4% envolvem crianças e adolescentes até 13 anos.
Os casos de estupro de vulnerável — quando a vítima tem menos de 14 anos, não possui discernimento para a prática do ato ou é incapaz de se defender — totalizam 75,8% das notificações, somando 56.820 vítimas em todo país em 2022. Houve aumento de 8,6% com relação ao ano anterior. Já os demais casos de estupro totalizam 18.110 vítimas, crescimento de 7% em relação a 2021. A maioria são meninas e mulheres: 88,7% das vítimas eram do sexo feminino.
8 em cada 10 vítimas de estupro eram menores de idade
As crianças e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas da violência sexual: 10,4% das vítimas de estupro eram bebês e crianças com idade entre 0 e 4 anos; 17,7% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos e 33,2%, entre 10 e 13. Aproximadamente 8 em cada 10 vítimas de violência sexual eram menores de idade.
Por isso, os pesquisadores dizem ser difícil atribuir o crescimento dos índices apenas ao aumento das denúncias. “Estamos falando de crianças que precisam da mediação de adultos para terem suas denúncias reverberadas”, diz Juliana Brandão.
Ela afirma que o isolamento social decorrente da pandemia de covid-19 contribuiu para o aumento de casos: sem ir à escola e fechadas em casa com abusadores, crianças ficaram mais vulneráveis à violência sexual. Em 2022, com a retomada das aulas presenciais, puderam contar que foram violentadas para professores e demais funcionários.
“A escola faz a ponte entre a violência e a notificação à autoridade pública. É na escola que a criança modifica o comportamento em decorrência do abuso. Quem percebe é um professor, agente escolar ou outra referência de confiança para quem a criança possa fazer o relato. Com a retomada das aulas presenciais, essa dinâmica foi restabelecida e o que ficou escondido no isolamento veio à tona”, diz.
Das vítimas do ano passado, 56,8% eram pretas ou pardas (em 2021, eram 52,2%). Dentre as demais, 42,3% eram brancas; 0,5%, indígenas; e 0,4%, amarelas.
7 a cada 10 estupros acontecem em casa
Dentre os casos notificados de estupro em 2022, 82,7% foram cometidos por conhecidos das vítimas —quem é estuprado por alguém da família do círculo de relações íntimas tem mais dificuldade em fazer a denúncia às autoridades, dizem os pesquisadores.
O lar é o ambiente mais comum dos estupros: 68,3% dos casos ocorreram na residência da vítima. No caso específico dos vulneráveis, 71,6% são vítimas de crime sexual em casa. Em média, 1 a cada 10 estupros foi cometido em vias públicas.
Assédio e importunação sexual também crescem
Além do estupro, outros crimes contra a dignidade sexual também apresentaram piora de indicadores. Os casos de assédio sexual aumentaram 49,7% em todo o país. O Amapá é o estado com mais registros de ocorrência de assédio, com 13,4 casos para cada 100 mil habitantes. No estado, houve aumento de 47,4% dos casos no último ano. Já o Ceará, mesmo com aumento de mais de 151% dos casos, permanece o estado com o melhor índíce: 1 caso para cada 200 mil habitantes.
Em alta em todos os estados, o crime de importunação sexual teve um aumento de 37% no país em 2022. O Espírito Santo foi o estado que puxou a alta, com crescimento de 192,3% dos casos.
Com relação aos casos de assédio, que ocorrem em espaços de trabalho, e de importunação sexual, Juliana Brandão avalia que o crescimento está relacionado ao fortalecimento das vítimas e à disseminação de informação —principalmente de casos de denúncias coletivas. “Essas denúncias mostram que a vitima não está sozinha”, afirma.
Da redação com UOL