Consumidores que não conseguem o desembaraço aduaneiro de suas encomendas compradas de outros países – especialmente da China- podem ficar sem o produto. Isso porque o item é devolvido para o local de origem caso não seja liberado pela Receita Federal.
O desembaraço aduaneiro é a conclusão do processo de conferência da mercadoria, para que seja liberada e chegue ao destino final, ou seja, a casa do cliente, mas consumidores afirmam que têm se deparado com dificuldades no processo após a criação do programa Remessa Conforme.
O Remessa Conforme, que passou a valer no fim de julho, zera a alíquota de 60% do imposto federal de importação nas compras até US$ 50 (cerca de R$ 248) para as empresas participantes. As vendas, porém, têm cobrança de 17% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O imposto de 60% continua sendo cobrado nas compras acima de US$ 50. Para as demais empresas, vale a lei que sempre existiu no Brasil, compras internacionais entre pessoas físicas e jurídicas são taxadas. Há, no entanto, isenção de impostos entre pessoas físicas, tática que era usada por diversos sites para burlar o fisco.
A influenciadora Ana Luísa Rabello, 20, que produz vídeos de compras para o TikTok há nove meses, conta que recentemente foi taxada em todas as suas compras em sites internacionais. “Eram valores que variavam de R$ 27 a R$ 405”, diz. A jovem garante que, além das taxas, nunca enfrentou outros problemas como devolução de pedido ou retorno dele ao país de origem. “Estou sempre em contato com a empresa para resolvermos a taxa. Algumas chegam a pagar metade do valor”, explica. Ela ainda ressalta que gosta das plataformas pelos preços acessíveis.
Diante desse cenário de taxação, o cliente pode optar por devolver a compra, caso não concorde com os valores das taxas cobradas. As medidas podem variar conforme a empresa, e vão desde devoluções gratuitas a crédito no site para compras futuras. Há, no entanto, casos em que é preciso tentar negociar com o vendedor.
Para quem não consegue o desembaraço aduaneiro, a compra é devolvida ao país de origem automaticamente e o consumidor precisa refazê-la para ter o item. A devolução dos valores, com o estorno do que foi pago, deve ser feita. O consumidor também pode pedir à empresa de varejo o reembolso do valor gasto na compra taxada. Esse pedido deve ser feito após o cidadão informar, no site dos Correios, que recusa o pagamento de impostos. A mercadoria será devolvida ao país de origem.
É importante que o consumidor faça esse procedimento no site da estatal. Dessa forma, poderá apresentar os documentos à plataforma, comprovando que recusou o pagamento do imposto.
Caso o consumidor não indique no portal dos Correios que recusou o pagamento, o produto poderá ser incorporado pela União e a plataforma não será obrigada a reembolsar o valor da compra.
O que diz o CDC?
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 49, determina que qualquer consumidor pode devolver uma compra online no prazo de até sete dias, no chamado direito de arrependimento. Essa regra vale para compras feitas pela internet, por telefone, ou seja, a distância, em qualquer meio que não o físico.
“Sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial”, diz o código. No caso de compras internacionais, o consumidor tem prazos maiores por conta da taxação feita pelo governo, e cada empresa determina o seu. Shein oferece um prazo de 20 dias e AliExpress de 15, por exemplo.
Ana Luísa, que acumula quase 145 mil seguidores nas redes sociais, fala que sempre conversa com seus seguidores a respeito da atenção com as compras, em especial as internacionais. “A compra só volta se a taxa não for paga. E sempre que possível, tento ajudar ao máximo os seguidores com suas dúvidas em relação a esse assunto e compartilho tudo o que sei sobre”, conta.
A jovem deixa dicas para facilitar a compra e o recebimento dos itens. “Sempre optem por comprar itens separadamente, porque assim seu pacote não fica grande e a fiscalização não taxa. Também sempre se atentem aos comentários dos produtos, pois muitas vezes os vendedores usam fotos da internet e não do produto que ele realmente está vendendo”, afirma. E caso a compra volte para o país de origem. “A taxa tem validade de mais de um mês para ser paga pelos Correios. E só ter atenção aos prazos.”
O advogado especialista em direito do consumidor Diego Marcondes explica que os termos de compra variam em cada país. “Para entender quais são os seus direitos na compra, é preciso conferir as regras informadas pela loja ou conhecer a legislação do país”, afirma.
Segundo Marcondes, a escolha da forma de pagamento também pode influenciar nessa prática. “Algumas ferramentas, como o PayPal, são aceitas em diversos países e oferecem um suporte maior ao consumidor, facilitando o cancelamento de compras e o reembolso de valores.”
Caso a compra seja estornada por qualquer motivo que fuja ao alcance do consumidor, o advogado diz que não existem alternativas a não ser o reembolso ser feito e o consumidor efetuar a compra novamente.
O caso mais curioso é da AliExpress, que apresenta um mecanismo de “disputa” entre comprador e vendedor, onde o vendedor pode se negar a aceitar a devolução ou a custear o frete dela. Nessas situações, o passo a passo para devolução é outro.
Marcondes comenta que os termos e condições contidos no site representam uma espécie de contrato entre comprador e vendedor, portanto, o cliente está sujeito a essa prática da disputa. Mas o advogado faz o alerta de que há regras que podem ser judicialmente questionadas quando colocam uma das partes em desvantagens. Procurada para falar sobre as diferentes políticas, a Receita Federal disse apenas que a legislação aduaneira é única e deve ser observada por todas as empresas da mesma maneira.
Contestação do imposto em 20 dias
O consumidor tem agora um prazo de 20 dias corridos para realizar o pagamento ou contestar uma compra internacional. Esse prazo foi reduzido após o Remessa Conforme entrar em vigor, valendo para empresas de fora do programa. Antes, ele era de 30 dias.
Em 1º de agosto, os Correios emitiram nota na qual confirmam que o prazo de pagamento de tributos foi reduzido de 30 para 20 dias. “Fique atento a esse prazo para evitar que a sua encomenda seja devolvida para o exterior”, diz a empresa.
O projeto de lei 3.498/2023, de autoria do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), propõe aumentar o limite de isenção das compras internacionais de US$ 50 para US$ 100 (cerca de R$ 496) . Outra proposta é reduzir de 60% para 20% a alíquota do imposto de importação.
O tema tramita com o PL 1.623/2023, de autoria do deputado Julio Lopes (PP-RJ), e será analisado em caráter conclusivo pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça. Silva afirma que a faixa de valor de US$ 50 não é tão diferente da praticada em outros países. “O grande problema no Brasil é a alíquota de 60% do imposto de importação, que induz à fraude e à sonegação”, afirma o especialista.
Com FolhaPress