A história é antiga, do início da década de 80, quando uma grande empresa se instalou na cidade oferecendo a seus empregados salários compatíveis com os pagos em outros pólos industriais, como os de São Paulo. Tais ofertas de trabalho despertaram nos trabalhadores sete-lagoanos interesses em buscar melhorias nos seus ganhos. Alguns empresários da cidade, incomodados pela cobrança e migração de seus trabalhadores, se reuniram com políticos e representantes sindicais. A partir desta reunião, a diretoria da empresa foi chamada e convencida a demitir seus funcionários e readimiti-los, desta vez com salários mais baixos.
Verdade ou mentira passaram-se quase trinta anos desta história, a cidade continuou a crescer e a receber indústrias dos mais diversos setores, mas sempre remunerando seus trabalhadores com valores abaixo dos praticados em outras regiões, mesmo se tratando do oitavo maior PIB do terceiro estado mais rico do país.
Instalado há mais tempo em Sete Lagoas o setor guseiro é visto como um dos responsáveis pelo atraso da cidade. Não só pelas características próprias da atividade, que exige baixa qualificação e, consequentemente, baixa escolaridade, mas também pela má remuneração e alta lucratividade. O que acabou dando a forma do modelo de exploração do trabalho na cidade.
Com a má remuneração das siderúrgicas, se criou um fosso entre a população de baixa renda e a classe média, e um abismo entre elas e os donos de indústrias. Assim a economia da cidade se desenvolveu de forma desigual, gerando uma população com pouca escolaridade empregada em uma atividade historicamente mal paga e de baixa tecnologia, que consome pouco e mina a possibilidade de novas relações comerciais.
Durante algum tempo, muitos dos empreendimentos da cidade tinham forte dependência da atividade de familiares de proprietários dos auto-fornos, que optavam por expandir os negócios das famílias. Se estruturava ali o modelo salarial sete-lagoano, que tem no episódio narrado no início desta matéria, seu fato mais marcante.
Uma empresária local, destaca que, recentemente, com a chegada de novas indústrias, a cidade começou a mudar de cara em todos os aspectos. Tanto na diversidade de serviços oferecidos pelo comércio como pelas pessoas que passam pela cidade, vindas de várias partes do Brasil e do mundo.
Mesmo assim, ainda hoje o setor guseiro segue com baixa remuneração, o piso salarial nos auto-fornos da cidade são mais baixos dos que os oferecidos, por exemplo, na cidade de Matozinhos.
De acordo com o Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sete Lagoas, Ernane Geraldo Dias, atualmente o piso salarial estabelecido pelo sindicato com o setor siderúrgico é de 630,00 reais para indústrias com menos de 400 funcionários. Em Matozinhos o piso mínimo é de R$ 685,97, uma diferença de quase 10%.
Além da diferença salarial os trabalhadores de Matozinhos também contam com mais benefícios e recebem um abono maior. Os trabalhadores de Sete Lagoas ainda obtiveram um menor percentual de aumento na última campanha salarial 7,3%, contra 8,5% de Matozinhos. Sobre esta diferença Ernane diz que nas negociações salariais os representantes das empresas da cidade alegam não ter condições de dar melhores aumentos ou abonos salariais.
Ernane também conta que na década de 90 “quando os guseiros mandavam e desmandavam” houve uma grande mobilização dos trabalhadores do setor durante uma greve, que resultou na demissão de mais de 2 mil trabalhadores. “Muita gente passou a culpar o sindicato pelas demissões e assim perdemos representatividade”, alegou. Ele também diz não descartar a possibilidade de seu próprio sindicato não conseguir ter uma boa penetração junto a base dos trabalhadores.
Luis França de Oliveira, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Matozinhos, fala que falta uma discussão séria em Sete Lagoas sobre a importância econômica e social de melhores salários para a categoria. “Uma cidade com tantas metalúrgicas no setor gusa, precisa ter conhecimento sobre o impacto dos salários em toda a sociedade”, explica. Luis não descarta a possibilidade do sindicato de Sete Lagos estar rendido à imposição dos empresários. “Cada sindicato tem uma política de melhorias para os trabalhadores que representa. Aqui buscamos mostrar como esta o mercado nacional para conseguir ganhar as melhorias que os chefes de família merecem por trabalhar em um processo tão degradante”, conta.
Os resultados desta decisão ainda hoje se fazem sentir pela cidade. De um lado empresários que reclamam da falta de qualificação e desinteresse da população em trabalhar, de outro, pessoas que não aceitam os salários propostos, recusando vagas de empregos que permanecem em aberto durante meses.
No meio da disputa ficam aqueles que aceitam trabalhar, recebendo salários abaixo da média nacional seja na indústria, no comércio ou na prestação de serviços.
Diante deste quadro o SeteLagoas.com.br preparou uma série especial de reportagens sobre o tema, abordando algumas características marcantes da industria e comércio da cidade.
Por Felipe Castanheira
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