Eram dez horas da noite e uma rotina aparentemente normal. Após a faculdade, a jovem T.R.M. descia do ônibus circular e caminhava em direção à sua casa. Poucos minutos depois, foi surpreendida e abordada por um rapaz que anunciou o assalto. Portando uma faca e sob ameaça, ele conduziu a vítima, com chutes e puxões no cabelo, até a um lote vago, localizado na região central de Sete Lagoas.
A ação durou menos de trinta minutos, mas as marcas são para a vida toda. Violentada sexualmente, a vítima conta que o autor não levou pertences de valor, mas roubou sua integridade física, a sensação de liberdade e o respeito enquanto ser humano. “Por muito tempo eu me perguntei: porque eu? Sentimentos misturados, confusos, de raiva e revolta tomaram conta da minha mente. Foi quando fui orientada a iniciar sessões de terapia porque era preciso recomeçar”, conta a vítima.
O estupro vitima milhares de pessoas de todas as idades, cotidianamente, no Brasil e no mundo. Suas consequências para as vítimas são severas e devastadoras resultando em sérios efeitos nas esferas física e mental, a curto e longo prazo. Inspirados nesta triste realidade e na luta para que histórias como a desta jovem, que se apoiou na fé para seguir em frente, estudantes do curso de Direito do Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm) uniram forças com o objetivo de sensibilizar a população em relação a um tema pouco discutido, mas que tem tomado as telas de computadores e, principalmente, redes sociais: a Cultura do Estupro.
De acordo com estatísticas, no Brasil, a cada 11 minutos uma mulher é violentada e apenas 35% dos casos são notificados. Segundo uma das idealizadoras do trabalho, Josiane Moreira, o projeto foi dividido em duas etapas: pesquisa de opinião pública, disponibilizada em canais como redes sociais e e-mail para pessoas distintas e voluntárias e produção de ensaio fotográfico em preto e branco. “O objetivo é identificar o quanto o assunto é discutido na atualidade, o quanto se sabe sobre ele e, também, sensibilizar e atrair a comunidade para necessidade de avaliar a real relação da ‘Cultura do Estupro’ com a culpabilização da vítima, ou seja, sua responsabilidade pelo crime devido ao modo de se vestir, estar em local e horário inapropriados, bebida, entre outros fatores apontados em debates recentes” explica a estudante de Direito.
As fotos em preto e branco, que também têm caráter de sensibilização, mostram detalhes que retratam a opressão e a liberdade, tendo a mulher como personagem central. Mergulhados em estudos sobre o assunto, o trabalho dos alunos resultou, também, no desenvolvimento do artigo “Uma questão de gênero: a mulher como elemento central da Cultura do Estupro”. “Dentre as conclusões, identificamos que é necessário refletir sobre ‘Cultura do Estupro’, analisando o crime não mais pelo pensamento natural se a mulher tem ou não culpa pelo estupro, mas, sim, do ponto de vista da violação dos direitos humanos. É preciso refletir sobre as consequências graves e a falta de apoio às vítimas; sobre o direito de ir, vir e permanecer em determinados locais, sem que haja danos à integridade física ou moral da pessoa; sobre o direito de se vestir como quiser sem que isso imponha riscos de assédio ou abuso sexual. Estupro é crime e, sob este olhar, não há argumentos que justifique tal violência”, completa Josiane Moreira.
Conforme pesquisas do grupo, do total de 250 respostas coletadas, 54,8% das pessoas que participaram afirmam que já ouviram falar sobre a cultura do estupro, contra 10,4% que disseram não ter conhecimento sobre o assunto. Ainda, 47,6% sabe explicar o que significa com propriedade e sem dificuldade, sendo que 38% já ouviu falar, mas não sabe o que significa o termo. Os dados mostram também que 89,6% dos entrevistados acreditam que a causa do estupro é o estuprador, porém, 8% do total acreditam que local e horário inapropriados justifica o crime.
O trabalho faz parte do Projeto Integrador que reúne todas as disciplinas cursadas e propõe aos futuros profissionais pensar e desenvolver o senso crítico e propor soluções em relação a questões sociais, associando-as ao campo do Direito e aliando teoria à prática. “O projeto Integrador tem como objetivo desenvolver habilidades e competências profissionais em nossos alunos por meio da experimentação, interligando a aplicação prática com os conhecimentos adquiridos em sala de aula. Ao mesmo tempo, fomenta a integração com a comunidade e promove o retorno social do curso para o seu entorno”, explica a coordenadora do curso de Direito Caroline Dantas.
Confira o ensaio fotográfico completo:
Fotos: Letícia Duval / Produção e Direção: Josiane Moreira
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Da Redação