Pela primeira vez em mais de cem anos, a tradição da Folia de Reis, que comemora o nascimento de Cristo por meio da representação da visita dos três Reis Magos a Jesus, não foi realizada em Cordisburgo, na região Central de Minas. Todos os anos, entre a noite de 24 de dezembro e o dia 6 de janeiro, os foliões visitam as casas da cidade, de cerca de 8.890 habitantes, rezam e celebram diante dos presépios, que nunca deixam de ser montados. Os moradores já esperam ansiosos a passagem dos grupos, que acontece a qualquer hora do dia, inclusive madrugada afora, e costumam preparar lanches para recebê-los. Desta vez, não foi possível, por causa da pandemia do coronavírus.
“Hoje nosso coração está triste, mas, ao mesmo tempo, pela nossa devoção sabemos que vamos poder voltar a louvar o Menino Jesus”, diz Ildete Santana da Costa, 50, que desde a infância participa da Caravana de Reis Folia Velha.
O grupo foi criado pelo avô dela em Cordisburgo há exatos cem anos, e a tradição já faz parte da história da quinta geração da família. “Visitamos de dez a 15 casas por dia, em Cordisburgo e cidades como Sete Lagoas, Belo Horizonte e Contagem. Primeiro, fazemos uma saudação na porta da casa, pedindo que a família vá receber a folia. Os três Reis Magos conversam com o dono, perguntam se ali tem presépio e pedem licença para fazer a adoração. Nós também cantamos para as famílias, os ausentes e os presentes”, conta Ildete. Segundo ela, cerca de 20 pessoas compõem a folia: alguns cantam, e outros tocam instrumentos, como cavaquinho e pandeiro.
No dia 6 de janeiro, é realizada a festa de arremate da Folia de Reis, em que os grupos costumam rezar uma missa e celebrar, com comida e bebida à vontade, com todas as famílias que os receberam ao longo dos dias. “Nós vamos esperar a pandemia passar e até todos estarem vacinados para comemorar. Estamos engasgados para soltar a voz. Queremos cantar e levar nossa fé”, afirma Ildete.
A Folia de Reis Reunida do Aguinaldinho tem 120 anos de existência e é mantida por meio dos ensinamentos constantes repassados pelos mestres aos mais jovens. “Nada é eterno. Se nós não plantarmos, a folia acaba. Por isso, sabemos a importância de estar sempre renovando”, conta Carlos Eduardo da Silva Barroso, 37, que participa da tradição desde os 12 anos. O grupo realiza visitas a casas em Cordisburgo e cidades como Curvelo e Sete Lagoas.
“Nunca imaginamos não poder fazer nossa peregrinação. Nós somos peregrinos, cumpridores de promessas, saímos de porta em porta levando a boa nova e anunciando o salvador. Mas temos fé em Deus que isso vai passar e esperança de, ainda neste ano, bater folia ainda, no dia 24 de dezembro”, diz Barroso.
Para quem deixou de receber a visita das folias, ficou a saudade e também a fé em dias melhores. Um anfitrião ilustre é o Museu Casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo, fechado desde o final de dezembro por causa da pandemia. Inspirado no escritor que homenageia, o museu monta, todos os anos, um presépio na sala de exposições e recebe visitas de diversas Folias de Reis.
“É uma tradição antiga. A meninada fica doida quando chega essa época, as pessoas mais velhas também ficam esperando receber a folia em casa, e estão todos sentindo muita falta”, diz, emocionado, o coordenador do museu, Ronaldo Alves. “Sentimos muito pesar e tristeza, mas sabemos que tudo é uma questão de saúde”, completa.
Da Redação com OT