Advogados e associações que representam policiais militares e civis de Minas Gerais denunciam a formação de filas de mais de 24 horas em frente a delegacias, durante os fins de semana e madrugadas, após a implantação do plantão digital. Tal situação também é vivenciada pelos policiais e advogados na Delegacia de Sete Lagoas.
O projeto do governo, que vem sendo estabelecido desde 2021, retirou os delegados e escrivães das delegacias de plantão. Eles passaram a trabalhar remotamente em duas unidades de Belo Horizonte e em uma de Montes Claros, a 433 km da capital mineira.
Em Sete Lagoas o modelo começou a ser usado em janeiro deste ano e tem causado problemas. No último fim de semana, um cliente do advogado criminalista precisou esperar mais de um dia para ter o auto de prisão lavrado pelo delegado.
“Estamos vivendo o verdadeiro caos. Ocorrências que eram resolvidas, em média, em quatro ou cinco horas, hoje em dia levam até 12 horas, 20 horas, um dia, e não raras vezes até dois dias para serem recebidas aqui na delegacia”, contou o advogado.
Representante do Sindpol (Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado de Minas Gerais) avalia que a falta de servidores pode ser a causa dos problemas. O agente lembra que os delegados e escrivães do plantão digital precisam atender, via chamada de vídeo, a ocorrências de todo o estado. Enquanto isso, investigadores ficam nas delegacias, com a equipe reduzida, para realizar os atendimentos físicos e o monitoramento dos detidos.
Apenas em 2023, o Sindpol recebeu ao menos 50 denúncias de policiais civis de todo o estado, que relatam problemas com o modelo virtual de atendimento.
“Temos casos de denúncia de investigadora mulher sozinha no plantão, grávida, tendo que transportar presos no plantão digital. Também há relatos de plantão em que tem-se apenas dois investigadores. Além de ele ter que sair para atender as demandas de entrega de presos nos presídios, ele ainda tem que atender a portaria da delegacia e retirar os presos da cela.”
O sargento Marco Antônio Bahia, vice-presidente da Aspra-MG (Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais), afirma que o problema se repete em várias regiões do estado, embora já ocorresse em algum grau devido à falta de delegacias em todas as cidades. Para a associação, a lentidão no atendimento prejudica a logística dos PMs que trabalham no interior e compromete a segurança dos municípios.
“Quando um policial militar está, por exemplo, na região de Ipatinga, ele atende a várias comarcas. Tudo vai desaguar em Ipatinga. Então, o polícial militar que está trabalhando em cidade próxima daquela cidade, ela fica desguarnecida de um policial militar, que deve fazer o combate à violência mas tem que ficar em Ipatinga por 24 horas ou mais, aguardando o delegado receber essa ocorrência”, detalha.
Os representantes do Sindpol e da Aspra-MG dizem que têm buscado negociação com o governo estadual sobre o projeto. Uma audiência para discutir o tema iria acontecer em dezembro de 2022, mas a reunião foi cancelada. Um novo encontro ainda não foi remarcado.
Apesar de ainda não haver nenhuma denúncia formal na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Sete Lagoas, o presidente da unidade, Adriano Cotta, já se reuniu com o chefe da Policia Civil da região em busca de uma solução. Ele fez sugestões à corporação e aguarda um retorno.
“A gente entende que é necessária a criação de uma sala para que esses presos possam ser transferidos para atendimento deles. A partir do momento em que o cliente é deixado em alguma sala reservada, o advogado sabe que ele foi atendido e pode voltar para o escritório e continuar com os afazeres. E, aí, o sistema o iria acionar para o depoimento do cliente. Outro ponto é colocar uma tela demonstrando a ordem cronológica dos atendimentos, para o advogado ter ciência e saber quando o cliente seria atendido”, sugeriu.
Outro lado
Em nota, a Polícia Civil de Minas Gerais declarou que o projeto está em fase de implementação em Sete Lagoas e que foi identificada “a necessidade de ajustes pontuais no funcionamento do Plantão Digital”. “Sendo assim, escalou uma equipe suplementar de policiais civis na Regional de Sete Lagoas, reforçando o número de servidores no atendimento ao público do plantão. Ademais, foi instalada uma sala de espera, para garantir maior conforto aos envolvidos que aguardam o atendimento.”
A organização explica que o projeto é “uma iniciativa estratégica institucional”, em que se busca “uma maior agilidade no atendimento e conforto para os envolvidos, uma vez que se evitam deslocamentos desnecessários de vítimas, testemunhas e policiais”.
O que é o plantão digital
No novo modelo de plantão da Polícia Civil de Minas Gerais, após às 18h e aos fins de semana e feriados, os delegados e escrivães atendem virtualmente às ocorrências, pela sede da cidade administrativa. Há servidores dedicados a cada região de segurança.
“Por meio de videoconferência e outros recursos tecnológicos, são realizadas as oitivas dos envolvidos e os despachos necessários nos sistemas informatizados, com acesso pelas delegacias que darão continuidade às investigações”, detalha o governo.
Nas delegacias, ficam os investigadores, para “recebimento do material apreendido e o encaminhamento da pessoa autuada ou que se encontrava na situação de foragida da Justiça ao sistema prisional”.
Em todo o estado, 71 delegacias já adotam o modelo. Apenas seis ainda não o implantaram. A expectativa do governo é concluir a implementação do projeto até dezembro de 2023.
da Redação com R7