A religião é, antes de tudo, uma manifestação de um povo. O Brasil, multifacetado, tem nas religiões de matriz africana um dos grantes atos de fé, cultura, e conhecimento, muitas vezes relegado a um culto “menor” ou transformado em maligno. No Dia Nacional das Tradições de Religião de Matriz Africana e Nações do Candomblé comemorado nesta quinta-feira (21), perguntamos a importância desta data para repensar uma fração de país que muitas vezes quer se apagar.
Luta e persistência: viver sua fé dentro de um mundo polarizado é o desafio de Cíntia Lima Tito, yalorixá do Ilê Asè T’Nanã e presidente da Associação de Resistência Afro Brasileira Socio Cultural Ilè Asé T’Nanã (ARASCIAT). À frente do terreiro, ela acredita a intolerância, muito presente contra as tradições afro-brasileiras, deve ir muito além das datas especiais.
“Ser mulher, ter um terreiro espiritualista, ser presidente de uma associação é uma grande missão pra mim como ser humano e líder, tendo em vista que a nossa religião é regional. Cada lugar do Brasil tem uma vertente, tem um segredo; cada panela é mexida a sua maneira”, conta Cíntia. “A intolerância religiosa é uma questão que precisa ser olhada, vista e sentida com mais frequência pelos órgãos públicos e privados de Sete Lagoas”.
E como combater a intolerância? Uma educação antirracista é o primeiro passo. “Primeiro, deveríamos educar alguns educadores sobre a importância disso: até mesmo porque é preciso entender essa política como social e educacional para ser passada a frente como realmente é. Sem fantasias, sem desenhar uma estrutura frágil; ao meu ver, é uma questão pra ser discutida até em Prefeituras e Câmaras não só no dia de hoje”, aponta a yalorixá.
“Nossa religião é livre: sendo assim a intolerância religiosa precisa ser revista pra um maior esclarecimento nas classes brancas, não para nós. Porque nós sabemos quem somos e aonde queremos chegar”.
Os saberes de Nanã
A história do candomblé e da umbanda é pouco vista nos livros – porque ela está na oralidade, no conhecimento antigo, passado de geração a geração. “[A] vivência com mais velhos principalmente, e [também] mais novos, porque eles também nos ensinam muito: pela espiritualidade e ancestralidade que se fazem presentes em todos os momentos da nossa existência terrestre”, aponta Cíntia.
E, como as tecnologias da modernidade afetam o conhecimento passado pela oralidade? A yalorixá aponta que elas são importantes para o presente: “Mas, para a espiritualidade, a tecnologia não nos muda porque somos mais espirituais do que tecnológicos. Então é preciso prestar atenção como esse instrumento está sendo usado”.
O sagrado hoje pode estar ao alcance de nossas mãos por uma tela? Cíntia aponta a responsabilidade da transmissão dos ensinamentos das religiões: “Acho de suma importância a tecnologia usada [de maneira] moderadamente no âmbito espiritual para que não fique invasivo, porque estamos tratando sobre ancestralidade, sobre espiritualidade, sobre sentir sobre o poder das energias”, diz. “Isso é algo que precisa ter uma preservação e zelo: por que o que pra uns é profano pra mim é sagrado”, completa.
Filipe Felizardo