“Quem não tem história não tem memória,
quem não tem memória não tem passado e
quem não tem passado não se orienta para o futuro.”¹
Um pouco da história, da cultura e sabedoria dos afro-brasileiros vividas e contadas com emoção por um negro, é o que traz o novo espetáculo da Preqaria Cia de Teatro. “SAGA – Uma história do povo preto” faz coro aos que subvertem toda a história denunciando como ela foi travestida pelo poder da branquitude e força na mente do espectador toda uma re-política da inclusão social da negritude ao resgatar a verdade da liberdade surrupiada, da angustia implacável, dos corpos torturados, requerendo legitimamente aquilo que também é do negro, seus direitos.
A proposta da peça é trazer à cena aquilo do qual nem sempre se quer saber. Através da criação e da dinâmica do sensível, SAGA representa o fazer sentir daquilo que não se apresenta, mas que pode ser sentido e não ignorado! E se fala disto, do que foi e ainda é o racismo…o teatro encena a sina de ser preto.
“Tem coisas na vida que a gente não pode se ignorar”²
É assim que esta peça teatral impacta, trazendo uma verdade estrutural social e pessoal, que mesmo estando implícita na cultura não se faz questão de que seja percebida. E é quando a palavra é dita por um preto, por ele sofrida e que ficou reprimida, que derruba a parede da invisibilidade e da ignorância. Mas não basta que seja sabida, é preciso mais, que ela seja uma afronta à história até então camuflada…“a Liberdade é não ter medo, é olhar nos olhos e se sentir igual”³, é enfrentar o racismo incriminando-o no cara-a-cara com coragem, é tornar visível e transparente aos que fingem não sabê-lo, é explicitar a sofrida experiência de ser preto e subverter os lugares numa sociedade que com o insuportável da diferença frustra, priva, castra… mata.
No palco a voz de Nathan Brits representa muitas vozes “quem traz no corpo esta marca resiste e insiste com a estranha mania de ter fé na vida”, uma batalha pela sobrevivência e dignidade a tomar o que é seu, seus direitos, porque não são eles algo que lhes concede, o direito é algo que se concebe! “SAGA – uma história do povo preto” faz uma contundente narrativa da covardia e crueldade humana na escravização racial no passado. A interpretação de João Valadares representa e denuncia com coragem a imoralidade perversa dos brancos que de formas preconceituosas em suas falas e atos continuam discriminando no presente, mantendo assim a instauração sádica do racismo no campo de uma dinâmica psíquica conflituosa trazida à tona pela linguagem das formações do inconsciente.
SAGA reflete sobre a verdade histórica do racismo e atenta à subjetividade de nossa época constatando os mecanismos da lógica burguesa na sua persistência, baseada nos seus ideais de branquitude e nas consequências psíquicas escutadas nas almas negras. Como espectadores da peça e personagens da história, havemos de fazer imperar a desconstrução da arquitetura dissimulada do racismo que nos denega, desvelando e expondo definitivamente as reais posições de cada um. Afinal, sustentamos as diferenças raciais de forma civilizada exterminando o racismo no convívio com o outro e tornando todos equitativos no exercício da cidadania, ou não?
Guilherme Moraleida – Agosto/24