A internet, nos últimos dias, tem discutido sobre o poder que as fake news podem fazer sobre a vida de uma pessoa: na última sexta (22), uma jovem mineira morreu após uma campanha difamatória promovida por diversos perfis nas redes sociais, capitaneada pela Choquei, por um fato que não tinha nenhuma comprovação. A mãe da jovem pede por justiça, os profissionais de imprensa pedem punição, os políticos pedem regulamentação. O que irá acontecer?
Jéssica Canedo (21 anos), moradora de Araguari, no Triângulo Mineiro, viu sua vida ser destroçada em páginas de fofoca na internet: estes perfis diziam que a garota estava a ter um caso amoroso com o humorista Whindersson Nunes. A “informação” foi replicada por pela página Choquei, que tem cerca de 20 milhões de seguidores nas redes sociais. Dali, os ataques a Jéssica não cessaram e ela, portadora de depressão em estágio grave, se matou.
Em entrevista à TV Paranaíba, a mãe da jovem relatava que ela, que não possuía redes sociais, pedia para que os ataques cessassem: “Ela chegava aqui chorando: ‘Mamãe, pede a eles para parar, porque eu não estou aguentando. Faz alguma coisa, mamãe’. O que eu podia fazer? Eu só gravei um vídeo pedindo a eles, pelo amor de Deus, que parassem. Se eles tivessem parado, capaz que a minha filha hoje estaria aqui”, relata Inês Oliveira.
A Polícia Civil irá investigar o caso: “Esse inquérito visa apurar se houve, eventualmente algum induzimento, instigação ou auxílio a esse suicídio”, relata o delegado Felipe Oliveira Monteiro, que apontou que caso a família de Jéssica desejar realizar denúncia, o caso terá apuração como crime contra a honra.
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A Choquei é a maior representante das controversas páginas de fofoca que abundam Instagram, X (ex-Twitter) e outras redes sociais. A sua forma peculiar de “noticiar” acontecimentos garantiu sua rápida ascensão – seu proprietário, Raphael Sousa, virou ‘influencer’ e sua atuação virou meme.
Logo após a morte de Jéssica, diversos internautas apontaram a irresponsabilidade da Choquei no caso (onde até Raphael Sousa em uma das postagens debocha do sofrimento da garota) e em outros que ela esteve envolvida. Ademais, não há informações sobre possíveis processos judiciais contra a página.
Desde então, tanto a Choquei, quanto o seu proprietário estão em silêncio nas redes sociais.
“Sua fonte segura de informação”
Durante a discussão sobre a responsabilidade da página sobre a sua atuação, internautas apontaram que existe um método onde estas páginas espalham informações falsas ou controversas, além da promoção de artistas.
Como a morte de uma jovem, vítima de uma fake news criada por páginas de fofoca, está ligada a uma indústria multimilionária que sustenta alguns dos maiores influenciadores do país.
A thread:
— Rodrigo da Silva (@rodrigodasilva) December 23, 2023
O site de fact-checking Aos Fatos, no ano de 2022, relatou sobre a atuação da Mynd8, agência que ganhou grande capilaridade ao manter em seu portfólio diversas páginas de fofoca no Instagram, alcançando milhões de pessoas – e milhões em contratos comerciais. A matéria aponta que perfis ligados à esta agência replicaram informações que impactaram a opinião pública em diversas situações, se retroalimentando.
Ao usar desta fórmula que, a princípio, parece “natural” aos olhos dos internautas, as páginas fecham diversos contratos com grandes marcas e artistas. Inclusive, é discutido se os famosos agenciados pela Mynd8 e outras agências que possuem estes perfis promovem, sem apontar que é um fato comercial, seus contratados – e pior, atacam outros ou possíveis “adversários” para gerar buzz na web.
Impunidade e guerra política
Em rápida pesquisa feita pela reportagem do SeteLagoas.com.br, não há menções sobre processos à estas páginas – apenas a fatos processuais onde elas são citadas mas não envolvidas. Após o caso de Jéssica, membros do governo federal lamentaram o fato e citaram que legislações que detectam e punam as fake news avancem no Congresso Nacional para evitar mais assassinatos de reputação.
Só que o debate já foi cooptado pelo maniqueísmo político ‘direita x esquerda’. Apontada como uma grande apoiadora durante a campanha eleitoral de Luís Inácio Lula da Silva em 2022, a Choquei virou alvo da vez de políticos e páginas de extrema-direita. Em uma “guerra cultural”, estes apontam as hipocrisias das ações do que eles chamam de “novo gabinete do ódio”, clara referência a um método denunciado e apurado pela Justiça brasileira realizado por um dos filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas, o que chama atenção (para os profissionais de imprensa) é a tímida ou a cobertura tardia do caso em alguns veículos tradicionais. A maior engajada na história, até o momento, é a Record, que noticiou em seus principais jornalísticos sobre o caso, além da exclusiva com a mãe de Jéssica Canedo.
O Marco Civil da Internet aponta que as redes sociais não podem ser responsabilizadas pelas postagens ali feitas que não ferem as regras de uso – exceto que, por ordem judicial, haja a obrigação da retirada do conteúdo. O projeto de lei de combate às Fake News quer, entre outras ações, que estas redes limitem o “uso abusivo” por parte de seus usuários, além da sinalização de publicidade – o que poderia atingir em cheio as páginas de fofoca.
Apesar da solução, o projeto de lei, criado em 2020, está parado no Congresso Nacional.
Filipe Felizardo e Djhessica Monteiro