“Todos podem fazer teatro até mesmo os atores” Augusto Boal
Ao ser provocado pelo site jornalístico SeteLagoas.com.br indagando sobre o fazer teatro em Sete Lagoas. Veio-me à mente uma estranha sensação, conduzindo-me ao céu e ao inferno em frações de segundos. Teria um livro para escrever sobre isso. Atento-me ao breve resumo. Reivindico a memória de nossa arte teatral como um pedido de licença aos mais antigos; a benção dos mais velhos. Teatro antes de ser uma escolha profissional, é arte. Com tudo que envolve o ser e suas expectativas existenciais. Não há vida sem arte. Não tem existência sem o subterfúgio artístico para calçar a alma humana e suas demandas. Desejos infinitos. O teatro, nesse prisma, é um meio questionador das certezas mundanas.
Filosofias a parte, em Sete Lagoas, miramos na “história que a história não conta” para espelhar nossas ações em memórias de grandes nomes como de Mariza da Conceição Pereira, Mara Lopes, Giselia Araújo (Zizi), atrizes, da velha guarda do teatro setelagoano, que ainda interferem no meio cultural. Dona Zizi atuou com Bernardo Valadares (in memoriam), Mariza da Conceição Pereira e dona Mara Lopes atuaram com Mauro Faccio Gonçalves (o saudoso personagem Zacarias – in memoriam). Esses e outros nomes do teatro antigo de nossa cidade utilizavam vários recursos para manutenção de seus trabalhos. Ouvi dizer que pegavam a estrutura do Cine Meridiano (cinema) emprestada para encenar suas peças. Existem registros de Nhô Quim Drummond (in memoriam) escrevendo crônicas da cena teatral de Sete Lagoas no início do século XX.
São muitas memórias e que carecem de pesquisa aprofundada para que os amantes da cena atual entendam que antes da gente teve muita luta, suor e lágrimas. Se temos uma Casa da Cultura hoje é porque eles batalharam muito antes da gente. O que mudou no fazer teatral atual de nossa urbe? Afirmo: nada. A luta é a mesma de sempre. Vi os recortes de jornais e cartazes de anúncios que Dona Zizi me mostrou um dia desses, no Meu Canto Conviver Centro dia Para Idosos. Entre lágrimas, suspirei e vislumbrei no olhar daquela atriz um saudosismo apaixonante. Ela tem orgulho de ser atriz do teatro setelagoano. Ouvi Mariza da Conceição Pereira falar que pegava escondida as roupas no varal da casa de sô Mariano (pai de Mauro) emprestadas para fazer teatro junto com Mauro Faccio. Abriam bilheteria e tudo. A renda era para ajudar os mais necessitados. Mara Lopes me contou sobre o auditório da Rádio Cultura. Todas esboçam uma importância ímpar a arte teatral.
Amor em sua plenitude. Isso é um ponto comum entre a velha guarda e a cena contemporânea de nossa arte. Amor pleno. Assim como a falta de apoio e interesse do poder público municipal também. Parece um ostracismo histórico que nos coloca como não necessários ao bem comum de nosso povo. Nossa velha guarda teatral projetou a cidade em nível nacional, exportando atores e atrizes para o cenário cultural do país. Atualmente, nosso teatro projeta a cidade com prêmios e apresentações convites em todos os grandes festivais nacionais e internacionais que existem por Minas e pelo país. Assim como os antigos, a gente pede, implora e até reivindica uma política pública que nos calce em anseios de manutenção cultural. Somos envolvidos em um emaranhado de promessas e protelações desanimadoras demais. No entanto, seguimos resistentes e cada vez mais profissionalizados. Mantemos a esperança de que o município se prepare profissionalmente para compor com nossas produções teatrais.
NÃO TEMOS UM TEATRO FÍSICO QUE COMPORTE O NÍVEL DO TEATRO SETELAGOANO. Improvisamos em locais alternativos, galpões e auditórios pequenos, sem estrutura técnica para o teatro, não paramos. Só temos tempo de ir… E vamos. Estamos formando atores e atrizes para o futuro. Cada vez mais profissionalizados. Contribuindo e fomentando a produção cultural, gerando renda e desenvolvimento humano diante de uma plateia cada vez mais crescente, linda, afetuosa e exigente, construída ao longo de anos de trabalho com muito esforço coletivo da classe teatral. Queremos para essa plateia a eternização do momento vivido em nossos espetáculos.
“O teatro é um momento eterno” (Clarice Rodrigues, escritora e atriz do Carroça Teatral).
Por Paulinho do Boi – Ator, diretor e gestor cultural – Carroça Teatral – Quintal do Boi da Manta