Um dos assuntos mais discutidos durante o ano foi o projeto que previa o fim do repasse do FUNDEB as APAEs de todo o Brasil. A aprovação da proposta poderá acarretar no fechamento das instituições. Os assistidos seriam encaminhados à escola regular, porém, não existe estrutura adequada para acolher bem todas as pessoas com necessidades especiais.
José Luís Tomé, presidente da APAE em Sete Lagoas, conversou com nossa equipe. Há 12 anos exercendo algum cargo na diretoria da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, APAE, de Sete Lagoas, atualmente ele ocupa a cadeira de presidente. Com a experiência de quem tem um filho de 28 anos deficiente e que é assistido pela APAE, José Luís não titubeia para falar que se o projeto que corta o repasse do FUNDEB para a entidade for aprovado a manutenção da instituição de Sete Lagoas fica “inviável”.
A APAE funciona hoje em uma sede com quatro mil metros de área construída em um terreno de 20 mil metros quadrados. Para manter a associação em funcionamento são gastos aproximadamente R$ 140 mil mensais, entre salários e despesas. Pouco mais de 10% desse valor é conseguido por conta de um convênio com a Assistência Social. Dos 160 funcionários, 112 (73 do município e 39 do Estado) são garantidos através do repasse que o senador José Pimentel do PT do Ceará quer cortar com um projeto que está tramitando em Brasília. O restante é arrecadado através de doações. Na entrevista a seguir, José Luís critica a proposta, confira:
Sete Lagoas: Como a comunidade da APAE recebeu a notícia sobre esse projeto que tramita no Senado?
É com muita indignação e muita tristeza que a gente recebe uma notícia dessa e vê essa tramitação no meio político onde o país inteiro está em busca de melhorias e melhor qualidade nas escolas regulares e nas escolas especiais, como no nosso caso. Então, a gente fica muito triste e indignado porque a APAE de Sete Lagoas tem, por exemplo, 43 anos de luta, de conquista e de crescimento. Então a gente percebe que é uma irresponsabilidade o que nós lemos nos meios de comunicação que querem cortar recursos do FUNDEB que dá essa estrutura para as APAEs e outras escolas especiais funcionarem.
Sete Lagoas: Até para que a população entenda o assistido não tem somente aulas regulares na APAE, mas conta com uma estrutura com clínica e assistência social. Como é o trabalho?
As estruturas das APAEs são variáveis de acordo com a necessidade de cada município. Aqui em Sete Lagoas temos um trabalho dividido em três frentes. Uma parte clínica com atendimento com médicos, ortopedistas, pediatras, psiquiatras, neurologistas e dentistas. Contamos também com uma equipe tecnicamente preparada com psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e psicopedagogo para dar toda estrutura na habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência. Temos um convênio com o Sistema Único de Saúde onde o custo do atendimento é repassado através da secretaria de Saúde.
Temos a área escolar que faz o ensino fundamental, Educação de Jovens e Adultos, EJA. E na área da escola temos um convênio com as secretarias municipal e estadual de Educação que garante a cessão de professores, motoristas, pessoas para serviços gerais e merenda. Então é como se funcionasse uma escola dentro da APAE.
A outra frente é a assistência à família com uma equipe de assistência social onde prestamos esse serviço para as famílias e para nossos assistidos também.
Sete Lagoas: Então, a diferença da APAE para uma escola regular é que, além do ensino, há toda uma estrutura para outras assistências?
Isso. há toda uma estrutura montada dentro do recurso que o município, o Estado e o Governo Federal fornecem. Então realmente é onde não tem sentido acabar com uma estrutura desse tipo. Em termos de espaço físico, em termos de profissionais preparados na área escolar, na área de assistência, na área clínica, tem toda uma equipe multiprofissional onde tem especialidades e treinamentos para lidar com a pessoa com deficiência. A escola regular aí fora não tem estrutura física, não tem profissional preparado para lidar com a situação onde trabalha com pessoas limitadas, com deficiências. Queremos deixar claro que as APAEs não são contra inclusão, pelo contrário, inclusive trabalhamos a inclusão no mercado de trabalho, a inclusão social e a inclusão nas escolas convencionais. Só que para isso é preciso passar por uma avaliação clínica, uma avaliação dos técnicos para ver o grau de limitação desse assistido para saber se ele pode conseguir desenvolver um trabalho na escola convencional. A própria APAE trabalha essa inclusão, mas é uma inclusão com respeito, com responsabilidade dentro do potencial de cada um. Temos vários assistidos aqui, sem desmerecer ninguém, mas alguns não têm como serem incluídos na escola regular. Por isso ficamos muito preocupados.
O senhor citou a questão da inserção do assistido da APAE nas escolas regulares. Além de professores e corpo docente que não estariam preparados para receber mais essa demanda, o que o senhor acredita que precisa mudar na escola regular para que o excepcional possa frequentar?
O profissional preparado é importantíssimo e outra situação é o espaço físico e condições de acessibilidade para o deficiente poder circular normalmente dentro de uma escola regular. E outra coisa é essa assistência social que o excepcional, o deficiente precisa ter assim como sua família. Esse atendimento é muito importante e o assistido precisa ter.
Sete Lagoas: Que tipo de deficiência a pessoa apresenta para poder ser inserida na APAE?
São várias deficiências entre síndrome de down, autismo e paralisia cerebral. Existem vários tipos de síndromes e dentro de cada uma você tem os graus que seriam leve, moderado e os mais comprometidos. Todos esses fatores precisam ser avaliados por uma equipe competente e preparada para saber o grau de comprometimento do assistido. Com isso poderemos estudar para saber se ele será incluído na escola convencional, no mercado de trabalho ou se ele é um assistido específico para uma escola especial tipo as APAEs.
Sete Lagoas: A possível aprovação desse projeto em Brasília pode acarretar no fechamento da APAE de Sete Lagoas?
Com certeza, por essa estrutura que o município, Estado e Governo Federal fornecem para manter essa escola, sem esse recurso ficaria inviável. Porque são 625 assistidos fora as famílias, 160 funcionários entre a parte clínica, escola e assistência social. Quanto maior a estrutura mais caro fica então, diante desse contexto, sem repasse de funcionários e merenda pelo município e Estado ficaria inviável manter a escola se esse projeto fosse aprovado.
Sete Lagoas: Como que os pais receberam a notícia e estão lidando com essa questão?
Qualquer movimento que aparece nos meios de comunicação em relação ao fechamento da APAE tem uma repercussão muito grande, principalmente para as famílias. Só de as famílias pensarem que os filhos não terão mais essa assistência, até mesmo na parte de alimentação, porque muitas famílias são carentes, é preocupante. Todo mundo fica muito ansioso e passa a ter esse movimento que incomoda e preocupa bastante. Imagina as famílias não terem a condição e o direito de escolher uma escola especial. Em condições normais você tem o direito de escolher a escola que quer matricular seu filho, seja particular, municipal ou estadual. Se esse projeto for aprovado simplesmente não dá essa possibilidade de escolha. As famílias estão preocupadas e indignadas e nos procuram a todo instante querendo saber como está a situação.
Sete Lagoas: O que o senhor acredita que leva um político a propor esse corte de repasse para as APAEs, pode ser falta de conhecimento sobre o trabalho desenvolvido?
Falta de conhecimento da estrutura não acredito porque um político eleito para trabalhar pelo povo tem que conhecer, não precisa ser a APAE, mas alguma escola especial, asilos ou alguma instituição do tipo. É difícil imaginar alguém que não conheça uma situação dessa e mais triste ainda e preocupante nossos governantes tramitarem um projeto desses no sentido de acabarem com as escolas especiais. Não consigo entender o que se passa no meio político, ou entendemos sim, diante do quadro de corrupção e desleixo em escolas e área de saúde. Então a gente passa a questionar e não entender quais os objetivos políticos que a pessoa tem com isso. Não dá para entender o que passa na cabeça de um político com essa determinação de derrubar escolas especais.
Sete Lagoas: Além do repasse da secretaria de Assistência Social e de servidores da prefeitura como a APAE sobrevive?
Temos um convênio importante com a Cemig onde a pessoa faz doação através da conta de luz, o mínimo é o valor de R$ 5 e esse montante e repassado integralmente a APAE. A gente realiza eventos sociais como um jantar e uma feijoada para arrecadar fundos também. E tem muitas pessoas que doam através de depósitos na conta da APAE. Através dos telefones 2106-2512 e 2106-2510 as pessoas podem conhecer um pouco mais do trabalho e também fazerem doações que são sempre muito bem vindas.
por Marcelo Paiva