Há 28 anos Lecioni Pereira Pinto, 59, atua como supervisora pedagógica. A carreira começou como professora e, depois de se aposentar do cargo, ela seguiu adiante na missão de ajudar os colegas. Hoje, a educadora está no limite da saúde física e mental. A licença médica terminou na última segunda-feira, mas os problemas de saúde se acumulam. “A ansiedade é o que está adoecendo a escola. No ano passado tive um infarto e um Acidente Vascular Cerebral (AVC). A gente brinca que sem um Rivotril (calmante), não tem como dormir”, desabafa. A supervisora tem ainda fibromialgia e diabetes.
Em Minas Gerais, a média de afastamentos envolvendo docentes e supervisores do Estado é de cinco por hora, ou 127 por dia. Segundo a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais (Seplag), em 2017, foram 44.952 casos e no ano passado, 46.346 – os números computam funcionários que precisaram se afastar mais de uma vez. A situação dos professores que adoecem por causa da profissão se acentuou desde 2016, quando o governo passou a parcelar os salários. Entre as enfermidades, segundo a Secretaria de Estado da Educação, estão questões ligadas à saúde vocal, transtornos mentais e comportamentais e doenças do sistema osteomuscular.
Salários
“O motivo de adoecimento psicológico de alguns trabalhadores tem sido, além da pressão na sala de aula e da falta de estrutura adequada, também a incerteza com relação ao salário”, considera o diretor estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Paulo Henrique Fonseca.
“A gente fica pagando juros absurdos (por causa do parcelamento). Só de remédios, eu gasto R$ 680 por mês. Gera uma ansiedade essa indefinição”, completa Lecioni Pinto. Segundo Fonseca até o momento, a categoria não foi recebida pelo governo Romeu Zema (Novo) para discutir os problemas da classe.
A professora aposentada Marly das Graças Freitas dos Santos, 64, lamenta a situação do parcelamento. “Professor ganha o mínimo do mínimo que deveria ganhar. Não é uma profissão valorizada, além de ser sucateada”, diz a educadora, que passou quase metade da vida dentro de escolas.
Marly só saiu das salas de aulas em 2000, quando foi diagnosticada com problemas nas cordas vocais. “Procurei um especialista, e ele me afastou porque estava com inflamação crônica e nódulos nas cordas vocais. Isso foi em 2000. Fiquei fazendo trabalhos burocráticos até 2003, quando me aposentei”, conta. Ela ainda é enfática em afirmar que só há dois destinos para os professores: “Ou acabam mudos, ou doidos. Não tem opção”.
Indisciplina é causa de cansaço e estresse
Dois aspectos relacionados ao cotidiano das escolas também acentuam os estresses físico e psicológico dos docentes: trabalho em excesso e desgaste com os alunos “indisciplinados”. Essa é a opinião do psicólogo clínico Danton Ricaldoni. “A quantidade de trabalho, com jornada de dois turnos traz um cansaço, um estresse no sentido de exaustão. Outro aspecto é que a indisciplina dos alunos exige do professor muita atenção e repetição de conteúdos”, considera o psicólogo.
Essa realidade, segundo ele, pode está nas instituições públicas e nas privadas. “Cerca de 80% do desgaste tem relação com alunos imaturos, que não sabem o limite e a disciplina toma um tempo grande”, explica. Ricaldoni entende que as frequentes interrupções durante as aulas causam estresse aos professores. “Não se trata de interrupções com dúvidas, mas de indisciplina”, explica.
Para tentar reduzir essa situação, afirma o psicólogo, é preciso que as direções das escolas sejam firmes ao exigir disciplina dos estudantes. Além disso, ele sugere que os docentes realizem atividades físicas para relaxamento. Ele ressalta ainda que, como o professor tem angústias da vida pessoal, a terapia pode ser uma solução para que os docentes não cheguem ao limite dos afastamentos.
Sem previsão
Os salários começaram a ser parcelados em 2016. Os docentes não receberam ainda o 13º referente a 2018. Questionado, o governo não informou prazo para regularização.
Desrespeitada
“Estamos esgotados. O parcelamento impede que a gente arque com nossos compromissos. Me sinto desrespeitada. Já tive afastamentos. É uma ansiedade, um desespero quando lembro que tenho que trabalhar no dia seguinte. Cheguei a fazer tratamento.”
Elida Alves Sacca, 54
Professora
Dois dias na UTI
“Eu não aguento mais ouvir o barulho da sirene (sinal) da escola. A pressão é grande demais. Falam que temos duas férias por ano, mas ninguém tem noção de como é angustiante. Estou fazendo tratamento com psicólogo depois de ficar dois dias na UTI.”
Lecioni Pereira Pinto, 59
Supervisora
Com O Tempo