Após a empresa decidir encerrar permanentemente a atividade de todas as lojas físicas e concentrar-se nas vendas online, 760 funcionários foram demitidos da Ricardo Eletro em Minas Gerais neste mês, 182 deles em Belo Horizonte. Com 46 lojas, Minas era o Estado com mais unidades da empresa, que reunia 327 estabelecimentos no país. Agora, os 335 trabalhadores restantes no Estado concentram-se em Contagem, em um centro de distribuição. No Brasil, onde a empresa se espalha por 17 Estados, 3.738 pessoas foram demitidas e ainda não têm data para receber os valores referentes à rescisão do contrato, pois a empresa está em processo de recuperação judicial.
A controladora da Ricardo Eletro, a Máquina de Vendas, teve o pedido de recuperação judicial aceito pela Justiça nesta semana e agora tem 60 dias para elaborar um plano de recuperação. Passada essa etapa, tem outros 90 dias para apresentar os termos da negociação aos credores, inclusive os trabalhadores demitidos. Antes disso, ela tem um prazo de dez dias desde as demissões para liberar a documentação para que eles possam solicitar o seguro-desemprego. Até receber o dinheiro devido pela empresa, a coordenadora fiscal Fabrícia Avelina, demitida no início do mês em Contagem, gastará as reservas para manter as contas em dia: “A gente previa que o fechamento das lojas podia acontecer, como o faturamento vinha caindo bem, mas não imaginava que seria agora”.
A empresa afirma que apresentará uma petição à Justiça na próxima semana para tentar antecipar o pagamento aos credores, segundo Giovanna Michelleto, diretora jurídica da Ricardo Eletro. Ela admite que a empresa está com depósito atrasado no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas diz que pretende regularizar a situação. O Sindicato dos Comerciários de Belo Horizonte e Região (SECBHRM) e o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Varejista e Atacadista de Contagem (Sintracc) têm orientado que os funcionários dispensados já entrem com ação judicial para garantir os direitos rescisórios e contam que a empresa ainda não iniciou um diálogo com as entidades, que teriam sido pegas de surpresa sobre o fechamento das lojas. Na capital mineira, a última loja a interromper o funcionamento foi a da rua Curitiba, no centro da cidade e, de acordo com a empresa, não há previsão de mais demissões no Estado.
Ricardo Eletro afirma que vendas online aumentaram e que pandemia é único motivo para fechar lojas
Com um histórico de altos e baixos e uma dívida de R$ 4 bilhões, a Ricardo Eletro atribui o fechamento de lojas e a onda de demissões exclusivamente à pandemia de Covid-19. “Ninguém esperava que as lojas fossem ficar cinco meses fechadas, e precisamos manter diversos custos fixos”, afirma a diretora jurídica Giovanna Michelleto.
“Para o varejo, a pandemia começou em dezembro, quando começamos a sentir falta de estoque e a indústria, de componentes. Tudo o que vinha da China começou a faltar e está faltando até agora. Em um primeiro momento, tivemos perda de 92% da receita”, justifica Ana Garini, vice-presidente da área de transformação digital da Ricardo Eletro. Ela explica que a previsão inicial da rede era uma receita de R$ 3 bilhões em 2020, mas a pandemia diminuiu o valor para R$ 850 milhões. Por outro lado, ao longo da pandemia, as vendas online aumentaram de quatro a cinco vezes e as visitas ao site passaram de 50 mil para cerca de 350 mil diárias. Agora, a empresa adota um novo modelo de vendas digitais e está em busca de pequenos varejistas para atuarem como revendedores e consultores de vendas.
O presidente do SECBHRM, José Cloves Rodrigues, avalia com preocupação o foco nas vendas digitais que empresas têm assumido com a pandemia e diz temer que as vagas de trabalho no comércio se fragilizem. Ainda assim, ele pontua que não deve haver alta expressiva no fechamento total de lojas físicas, como no caso da Ricardo Eletro: “Isso pode aumentar depois da pandemia, mas o consumidor brasileiro ainda está muito acostumado a lojas físicas e elas tendem a ter uma durabilidade muito grande”.
É um cenário que pode mudar, como explica Ana Garini, da Ricardo Eletro. “38% dos nosso clientes que compraram no site nunca tinham feito isso antes da pandemia. Quem não estava acostumado a comprar online perdeu o medo e está fazendo isso com mais tranquilidade”, analisa.
No começo deste mês, o fundador da empresa, o mineiro Ricardo Nunes, foi acusado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) de sonegar quase R$ 400 em impostos ao Estado. Ele chegou a ser preso no dia 8 — cinco dias após as demissões em massa — e foi solto no dia seguinte. A empresa afirma que Nunes não atua mais na administração ou no quadro de acionistas. Já o MPMG aponta que ele teria seguido à frente dos negócios, mesmo após ter se afastado deles formalmente.
Com O Tempo