O Ministério da Educação (MEC) poderá ter redução de 18,2% no orçamento para despesas discricionárias (não obrigatórias) no ano que vem. O porcentual representa aproximadamente R$ 4,2 bilhões a menos para a pasta. O corte afetará as universidades federais, que devem perder R$ 1 bilhão. As instituições de ensino veem situação “insustentável” e a impossibilidade de cumprir suas atividades no ano que vem. A previsão de queda no orçamento ocorre em um momento em que as instituições de ensino superior estão fechadas para conter a disseminação do novo coronavírus (Covid) e enfrentam dificuldades para manter as aulas a distância e alunos de baixa renda.
Para as universidades federais, o porcentual de queda no orçamento deverá ser o mesmo do MEC, de 18,2%. As verbas discricionárias são aquelas usadas, por exemplo, para o pagamento de terceirizados, contas de água e luz e para manter os programas de assistência estudantil. No caso da UFMG, as perdas chegariam a R$ 38 milhões, estima a reitora Sandra Regina Goulart Almeida. “Não temos como absorver mais esse corte”, afirma.
Segundo a dirigente, as instituições federais já vêm enfrentando reduções sucessivas em seus orçamentos nos últimos anos – de 2019 para 2020, por exemplo, a UFMG perdeu R$ 7 milhões –, e um novo corte penalizaria ainda mais as universidades, que tiveram de redirecionar sua gestão para implantar ações emergenciais e imprescindíveis de enfrentamento à Covid-19. “As universidades responderam a esse chamado da sociedade. São elas que estão desenvolvendo pesquisas e ensaios com vacinas, propondo testes para diagnóstico e atendendo às populações vulneráveis”, afirma a reitora.
Além disso, outras demandas surgiram para pressionar a já delicada situação orçamentária e financeira das universidades. “Foi preciso investir em tecnologia da informação, inclusão digital e em infraestrutura e capacitação para atuação em um cenário de ensino remoto emergencial. Na área de saúde, por exemplo, algumas atividades presenciais, como estágios de estudantes nos hospitais e em centros de saúde, terão de ser retomadas, e precisaremos investir em equipamentos de proteção individual”, exemplifica Sandra Goulart.
A reitora estima que os reiterados cortes de recursos fizeram o orçamento da UFMG retroagir a patamares de 2009, quando a Universidade ainda não tinha realizado seu projeto de expansão, reestruturação e inclusão. “E hoje a Universidade é muito mais complexa, e sua qualidade, reconhecida nacional e internacionalmente, tem alcançado patamares cada vez mais elevados. Saltamos do oitavo para o quinto lugar no ranking da THE na América Latina, somos um importante centro de ensino, pesquisa e extensão, ampliamos vagas e absorvemos estudantes em situação econômica mais vulnerável. Isso tudo exige mais recursos em todas as áreas acadêmicas, além de investimento em manutenção e capital, mas não é o que tem ocorrido”, argumenta Sandra Goulart, acrescentando que a pandemia comprovou a capacidade das universidades públicas enfrentarem crises que afetam a sociedade. “A população reconhece isso. Não é hora de apertar ainda mais o nosso orçamento. Pelo contrário, recursos empregados em educação e ciência são absolutamente necessários para vencer a crise. Somos um patrimônio do nosso país que precisa ser preservado com investimento contínuo e sustentável”, defende.
PROJEÇÃO NACIONAL É DE CATACLISMO NO ENSINO SUPERIOR
Com o corte, a previsão da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) é de R$ 185 milhões a menos para o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), que oferece assistência à moradia estudantil, alimentação e transporte. O orçamento do PNAES é de R$ 1 bilhão.
Os valores para a pasta no ano que vem constam de documento do Ministério da Economia. Um projeto de lei orçamentária anual ainda deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional – e dirigentes das universidades federais já se articulam para reverter as previsões.
Para o presidente da Andifes, Edward Madureira Brasil, causa apreensão a proposta de redução. “(Os cortes) podem levar à interrupção de serviços essenciais para as universidades”, diz o reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Recebemos essa notícia com muito desapontamento e preocupação.”
Nos últimos três anos, segundo a Andifes, não há reajuste no valor repassado às universidades e algumas já tinham dificuldades em arcar com todas as despesas. Agora, o retorno às aulas presenciais deve demandar uma série de adequações nos câmpus e a aquisição de equipamentos para aulas híbridas, uma vez que se entende que mesmo no ano que vem não será possível a volta integral.
As instituições já fazem levantamentos. A UFRJ, por exemplo, prevê que os gastos para a retomada, apenas para a limpeza, podem ser de 30% a 50% maiores. Reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, Paulo Afonso Burmann diz que “o setor que mais vai sofrer é a assistência estudantil”, que se tornará ainda mais necessária.
Nos últimos anos, vem aumentando o número de estudantes de baixa renda nas universidades federais, o que traz desafios às ações de permanência estudantil. O porcentual de estudantes pertencentes a famílias com renda mensal per capita de até 1,5 salário mínimo saltou de 44,3% em 1996 para 66,2% em 2014, e alcançou o índice de 70,2% em 2018.
Por meio de nota, o MEC diz que deverá haver esforço na otimização dos recursos. “Em razão da crise econômica em consequência da pandemia do novo coronavírus, a Administração Pública terá de lidar com uma redução no orçamento para 2021, o que exigirá um esforço adicional na otimização dos recursos públicos e na priorização das despesas.”
A pasta também informa que liberou recursos adicionais para as universidades voltados a projetos de redução de despesas. Segundo a pasta, esses recursos totalizaram aproximadamente R$ 450 milhões.
Com O Tempo e Estadão Conteúdo