Como outros setores do comércio global, a importação de insumos para testes de laboratório foi afetada pela pandemia de Covid-19. Para contornar esse entrave, o CT Vacinas, projeto ligado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ao Fiocruz-Minas e ao Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec), desenvolveu um teste sorológico para a doença com materiais 100% brasileiros.
A tecnologia desenvolvida pela universidade foi transferida ao Instituto Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e a expectativa dos pesquisadores mineiros é que o instituto carioca produza os testes em escala — o que ainda está em fase de negociação. O destino inicial dos testes, que podem chegar a 1 milhão ao longo de pouco menos de dois anos, segundo a professora da Faculdade de Farmácia e pesquisadora do CT Vacinas, Ana Paula Fernandes, será uma rede de laboratórios de campanha de 13 universidades públicas. Além dos laboratórios universitários, 20 mil kits de testagem, com capacidade para cerca de 18 mil diagnósticos, devem ser adquiridos pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), afirma a pesquisadora.
A SES-MG reservou um valor de R$ 250 mil para a aquisição, resultando em R$ 12,50 por kit. O teste desenvolvido pelo CT Vacinas se destaca pela facilidade de realização e pelo custo — embora o valor final do produto ainda não esteja definido, Fernandes estima que ele será de duas a três vezes mais barato que similares disponíveis no mercado. Apesar de não ser um teste rápido, e sim do tipo Elisa, ele utiliza uma metodologia de coleta do material parecida com a testagem de farmácia, coletando o sangue do paciente por um furo no dedo. A especificidade e sensibilidade ficam entre 95% a 100%, limitando chances de resultados imprecisos.
Como os testes rápidos, ele também detecta a presença de anticorpos contra o coronavírus, apontando se a pessoa já foi infectada, o que é útil em casos em que o paciente tem sintomas há mais dias do que o indicado para realizar um teste molecular, por exemplo. A solução ainda precisa ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) antes de começar a ser utilizada, mas promete ampliar a capacidade de testagem da UFMG, que já é responsável pela maior parte dos testes do tipo RT-PCR da rede pública em Minas Gerais. Segundo o Instituto Bio-Manguinhos, os testes devem ser enviados para aprovação da Anvisa até o final deste ano.
“Para desenvolver um teste de Elisa com alta especificidade, leva-se de um ano a um ano e meio. Nós começamos o desenvolvimento em março e hoje ele já está na caixa, pronto para produção em escala”, reforça Fernandes. A solução deve ser enviada à Anvisa pelo Instituto Bio-Manguinhos até o final deste ano. A iniciativa contou com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Como parte da Rede Vírus, grupo de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias contra a Covid-19 formado pela pasta federal, o CT Vacinas também tem a missão de desenvolver outras alternativas de diagnóstico inteiramente nacionais, como testes rápidos. O CT Vacinas também dá auxílio laboratorial à pesquisa da vacina desenvolvida em conjunto pela Fiocruz e pelo Butantan, mas Fernandes lembra que, mesmo após uma eventual vacinação, os testes continuarão sendo importantes. “O que os especialistas em epidemiologia apontam é que o vírus se tornará endêmico. Mesmo com a vacina, vamos precisar fazer diagnóstico das pessoas por um longo tempo”, pontua.
UFMG é responsável por maior parte dos testes moleculares realizados pela rede pública no Estado
Sete laboratórios da UFMG são responsáveis por aproximadamente 34% de todos os quase 108,5 mil testes do tipo RT-PCR realizados pela rede pública em Minas Gerais até o final de agosto, segundo dados da SES-MG. A universidade fez mais análises laboratoriais do que a própria Fundação Oswaldo Cruz (Funed): o laboratório de referência no Estado fez cerca de 23,5 mil testagem, enquanto a universidade realizou aproximadamente 36,5 mil. A rede particular continua realizando mais testes que a pública e finalizou quase 20 mil testes a mais que o governo.
Cada um dos sete laboratórios da UFMG conta com pelo menos dois professores e, em conjunto, agregam pelo menos 50 estudantes. As unidades fazem parte de uma rede de laboratórios de campanha de 13 universidades públicas nas cinco regiões do país, coordenada pela UFMG. Em junho, o grupo recebeu R$ 32,5 milhões do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para desenvolvimento e realização de diagnósticos. A Federal mineira recebeu em torno de R$ 9 milhões do montante, segundo o coordenador do projeto, o pró-reitor adjunto de pesquisa da UFMG, André Massensini.
“Além da formação, o papel da universidade neste momento é prestar serviço à população. Por meio dos laboratórios de pesquisa, conseguimos prestar apoio emergencial durante a pandemia e dar uma resposta rápida à sociedade. Se não tivéssemos esses laboratórios funcionando, esse quantitativo de testes não teria sido realizado”, destaca Massensini.
Os laboratórios da rede CooLabs, cooperativa laboratorial da universidade, também prestam serviço particular a empresas que precisem testar funcionários.
Além do valor recebido pelo MCTIC, o CT Vacinas recebeu R$ 164 mil do governo do Estado, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), com uma contrapartida da Secretaria de Saúde no valor de R$ 20 mil.
Com O Tempo