Há um ano, Daiane Fidelis, de 25 anos, pegou uma muda de roupa, segurou uma das filhas no colo, deu a mão à outra, e trancou a casa, interditada pela Defesa Civil por risco de desabamento. Por causa das chuvas sem precedentes em Belo Horizonte, parte do quarto, da sala e da cozinha dela, no bairro Havaí, na Região Oeste da cidade, cederam.
A família da babá e diarista é uma das 577 que ainda dependem do bolsa-moradia da prefeitura para ter um teto. Hoje ela mora com as filhas de 4 e 8 anos em uma casa no mesmo bairro. O benefício de R$ 500 não é suficiente para pagar as despesas.
“Gasto R$ 700 no total com aluguel. Eu completo o resto. No momento, estou desempregada. Perdi o emprego com a pandemia. Hoje sobrevivo de bicos de faxina. Mas vivo com medo. Medo de um dia pararem de pagar. E aí? O pior é aceitar. Era tão ajeitadinha a minha casa”, disse Daiane.
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) registrou 935,2 mm de chuva em janeiro do ano passado, o mês mais chuvoso da história da capital mineira. Só em 24 de janeiro, choveu 171,8 milímetros em Belo Horizonte.
Naquele dia, que ainda detém o recorde de maior precipitação registrada em 24 horas, Robesnval Monte Silva, acordou de madrugada com gritos da vizinhança.
“Ouvi um barulho muito grande. As pessoas começaram a gritar. Eu não estava entendendo muito bem. Quando eu saí, a frente da minha casa tinha caído. Levou meu muro com o galinheiro”, contou ele, que morava com uma tia e um primo.
Hoje, Robesnval mora sozinho e depende do bolsa-aluguel. Mas, todos os dias, volta à casa condenada para alimentar os dois gatos que teve que deixar para trás.
Se, no bairro Havaí, os moradores que foram obrigados a deixar suas casas lutam para ficar na região, no Vila Betânia, também na Região Oeste, o sentimento é oposto.
“Nós queremos sair daqui. O pior é a nossa saúde mental. Basta o céu escurecer um pouquinho para todo mundo ficar apreensivo”, disse o presidente da Associação de Moradores do Vila Betânia, Gladson Reis.
No ano passado, o nível da água chegou a 1,40 metro, invadindo casas e lojas, deixando dezenas de pessoas desabrigadas.
Segundo ele, na época da ocupação da área, a Companhia de Habitação de Minas Gerais (Cohab) promoveu a criação do bairro em uma área de inundação.
“A gente pede para que a prefeitura faça uma bacia de contenção também no córrego Calafate, além do Ferrugem. E pedimos ao governo que disponibilize apartamentos que já são do estado para que as famílias possa sair das áreas de inundação”, disse ele.
As comunidades afetadas na Região Oeste entraram com uma ação coletiva por indenizações para 150 famílias. Mas, até o momento, o processo não foi julgado.
Mortes
Em janeiro de 2020, 55 pessoas morreram em Minas Gerais por causa das chuvas. Treze delas só em Belo Horizonte. Um dos bairros mais afetados foi a Vila Bernadete, na Região do Barreiro, que não tinha nenhum histórico de enchentes até aquele mês. Sete pessoas morreram em desabamentos no local em janeiro.
No dia 28, mais uma tempestade atingiu a capital, desta vez na Região Centro-Sul. A enxurrada destruiu ruas e avenidas de bairros nobres como Lourdes e Santo Antônio. A água invadiu lojas e restaurantes, levando carros e deixando pessoas isoladas.
Grande BH
Mortes e estragos também foram registrados em várias cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em janeiro do ano passado. Em Betim, seis pessoas morreram soterradas. Em Ibirité, foram cinco as vítimas naquele mês. Entre elas estava uma mulher e seus dois filhos de seis anos e seis meses de idade.
Em Raposos, o nível do Rio das Velhas transbordou, deixando quase metade da cidade alagada. Um dos acessos ao município foi bloqueado, ilhando centenas de pessoal.
Em Contagem, mais de 500 pessoas foram retiradas do Morro dos Cabritos e da Vila Itaú, por causa do risco de desmoronamento.
Obras e auxílio
Nesta semana, a prefeitura informou que concluiu as obras de urbanização da Rua Marselhesa, por onde passa um afluente do córrego Bonsucesso, na Região do Barreiro. A expectativa é que a velocidade da água diminua, evitando as inundações. As obras foram iniciadas em setembro de 2018 e contaram com investimento de R$ 7,9 milhões.
Outras intervenções, que pretendem implantar sistema de esgoto e estabilizar as margens do córrego, ainda estão em andamento no trecho.
Nesta terça-feira (26), um comitê gestor foi criado entre governo do estado e prefeituras de Belo Horizonte e Contagem para trabalhar em soluções para evitar enchentes. O grupo pretende buscar recursos para controlar as cheias de córregos como o Ferrugem e Riacho das Pedras, que “em períodos de chuva provocam o transbordamento do Ribeirão Arrudas e enchentes em avenidas como a Teresa Cristina”, como informou a PBH.
No dia 12 de fevereiro, serão abertas as propostas para licitação da terceira etapa de obras na Avenida Vilarinho, em Venda Nova, região tradicionalmente castigada pelas chuvas. O processo é destinado às obras do sistema de macrodrenagem dos córregos Vilarinho, Nado e Ribeirão Isidoro, para a implantação dos reservatórios Vilarinho 2 e Nado 1. O investimento previsto é de quase R$ 150 milhões. De acordo com a prefeitura, o prazo de execução dessa obra é de 36 meses, a partir da primeira ordem de serviço.
Sobre a reivindicação de obras na Região Oeste, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) informou que “as intervenções no Córrego Cercadinho, que passa pelo bairro Havaí, estão em fase de desenvolvimento. A previsão de licitação de projetos é para o segundo semestre deste ano de 2021.”
Já para a bacia do Calafate, onde fica a Vila Betânia, “não há disponíveis recursos do Governo Federal para obras de macrodrenagem no local”. A prefeitura disse ainda que, “para minimizar os alagamentos na avenida Teresa Cristina, a Sudecap deu início, no mês de março de 2020, às obras de construção da bacia de detenção do bairro das Indústrias, na região do Barreiro”.
A prefeitura disse ainda que 20 famílias das regiões do Havaí e Vila Betânia estão recebendo os auxílios do Bolsa Moradia ou Abono Pecuniário. Contando toda a cidade, são 577 famílias que recebem o auxílio desde as chuvas de janeiro do ano passado.
Ainda segundo a PBH, “a assistência será oferecida às famílias até que as definições estejam concluídas, sejam elas para retorno ao local após as intervenções necessárias ou reassentamento em outra área”.
Sobre a situação dos moradores de Vila Betânia, a Companhia de Habitação de Minas Gerais (Cohab) informou que os valores a serem recebidos com a venda dos apartamentos reivindicados “serão utilizados para viabilizar o assentamento” das famílias atingidas pelas chuvas.
Ainda segundo a nota, “os valores desses apartamentos reivindicados são bem superiores aos valores aplicados para a política habitacional, ou seja, assentar apenas uma família em um destes apartamentos, por meio de uma concessão gratuita, consumiria recursos que viabilizarão habitação para duas ou mais famílias”.
A Cohab disse ainda que herdou cerca de R$133 milhões em dívidas e ainda lida com a solução de passivos que foram se acumulando nas gestões passadas.
Com Portal G1