Pessoas negras têm quatro vezes mais chances de sofrer violência policial do que as brancas durante abordagens, segundo um estudo realizado pela Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
O levantamento analisou 3.500 boletins de ocorrência com mortos e feridos em intervenções policiais no estado, de 2013 a 2018. Os pesquisadores traçaram o perfil dos envolvidos e identificaram que quase 7 em cada 10 mortos ou feridos em abordagens da polícia são negros.
A maioria são homens com até 29 anos de idade. Cerca de um terço estudou até o ensino fundamental.
Veja o perfil das vítimas de intervenções policias em Minas:
- 68,4% são negros
- 96,8% são homens
- 72,8% têm até 29 anos
- 37,2% têm ensino fundamental
“A escravidão ainda repercute nos dias de hoje, o racismo estrutural. Então, temos, realmente, a situação de pobreza muito atrelada à situação de raça e cor, e isso os números mostram também no aspecto de intervenção do estado como um todo, pelo seu sistema de justiça criminal, inclusive no campo da letalidade, dos resultados lesivos”, disse o promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio de Defesa dos Direitos Humanos e Controle Externo, Francisco Ângelo Silva Assis.
O levantamento também indica as circunstâncias dessas ocorrências, a maior parte relacionada à Polícia Militar em abordagens rotineiras: 36% dos mortos ou feridos pela polícia estavam desarmados.
Em 65% dos casos, a vítima não disparou contra a polícia, que geralmente esteve presente em maior número. São três policiais para cada cidadão, e nove tiros da polícia contra dois de cidadãos.
O documento alerta para o aumento expressivo dos indicadores do uso da força pelas instituições de segurança pública de Minas Gerais.
“Esse estudo vai permitir que se faça uma intervenção qualificada cirúrgica em relação às unidades policiais que possuem índices e recorrências e policiais em si, com recorrências em resultados lesivos ou letais”, afirmou o promotor Francisco.
Para o juiz de direito e professor universitário André Nicolitt, falta preparo nas abordagens policiais.
“Nós precisamos ter normativas muito firmes, muito eficientes, sobre protocolos de abordagens policiais. Pessoas pretas eram coisas submetidas a açoites, então, durante 350 anos de escravidão, naturalizou-se o tratamento violento dirigido a pessoas pretas. Tem que ter um treinamento antirracista, o Brasil precisa que suas instituições tenham uma formação antirracista. e o terceiro ponto seria o controle externo, que deve ser desempenhado pelo Ministério Público, e um controle interno sério”, disse o magistrado.
O líder comunitário da Central Única das Favelas (Cufa) e fotógrafo André Cavaleiro, foi agredido por militares em outubro, no Alto Vera Cruz, na Região Leste de Belo Horizonte, enquanto fazia um churrasco para comemorar a vitória em um jogo de futebol.
Recentemente, a Justiça arquivou o processo criminal em que André era acusado de desobedecer os policiais durante a abordagem.
“Nós estamos cansados de sofrer violência policial. Naquele dia eu tomei aquele golpe, caí no chão, levantei e estou hoje de pé para continuar perguntando. Por que o senhor me bateu? Por que os senhores estão nos batendo? Porque os senhores, os jovens, as mulheres estão apanhando?”, questionou André.
“Eu acredito que fui agredido porque eu tenho o perfil de uma pessoa suspeita na mente do agente público. Às vezes, eles vêm trabalhar e não têm o discernimento de entender que somos iguais, somos trabalhadores, seja branco ou negro. Você ser abordado e ter um tipo de tratamento porque a sua pele remete a um criminoso, isso tem que mudar”, falou.
A TV Globo entrou em contato com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública para repercutir os dados da pesquisa, mas a pasta repassou o pedido para a Polícia Militar, que não enviou resposta até a publicação desta reportagem.
Com Portal g1