Hoje, 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, Minas é o estado Brasileiro com dados mais alarmantes no ano passado – foram três pessoas resgatadas por dia.
Dos 2.575 trabalhadores resgatados em todo Brasil somente no ano de 2022, 41,5% (1.070) estavam em Minas Gerais. Desde 2013, as cidades de Minas lideram o ranking nacional e, em comparação, no ano passado o segundo lugar ficou para Goiás que registrou 271 pessoas resgatadas, ou um quarto dos registros em território mineiro. Trabalho Escravo Infantil – O relatório demonstra ainda que 35 crianças e adolescentes foram encontrados pelas equipes submetidas a trabalho análogo ao de escravo. Do total de resgatados, 10 eram menores de 16 anos e 25 tinham entre 16 e 18 anos no momento do resgate.
Especialistas avaliam que, apesar dos números alarmantes, existem mais ações para conter a prática no Estado. “Até 2013, os índices de fiscalização e libertação em Minas eram muito pequenos. Não havia uma tradição de fiscalização. Porém, em função de um inquérito do Ministério Público Federal (MPF), eu fui chamado para criar um grupo específico de fiscalização do trabalho escravo no Estado e, a partir de então, passamos a contar com uma articulação constante com os demais órgãos envolvidos (Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar e sindicatos) e o resultado é visto nesses números. Ao contrário do que possa parecer, o ranking não é negativo, pois demonstra a efetividade de uma política pública integrada”, afirma o Auditor-Fiscal do Trabalho da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), Marcelo Campos.
Apesar de que o número de resgates está diretamente relacionado a mais ações de fiscalizações em relação a outras partes do Brasil. A Coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lívia Miraglia, destaca que, além disso, o Estado tem um “ambiente propício” para que esse tipo de crime ocorra. Em sua maioria, os trabalhadores em situação análogica à escravidão se encontram em fazendas, principalmente em plantações.
“Geralmente, as vítimas são pessoas negras e pardas que vivem em meio a uma pobreza grande. Ninguém se oferece para ser escravizado. Elas vão acreditando na promessa de uma vida melhor. Muitas vezes, só têm isso: “acreditar ou morrer de fome”, diz ela.
Ela ainda diz que para que a situação seja classificada como análoga à escravidão, é preciso que haja uma dessas ocorrências: condições degradantes, jornada exaustivam servidão por divida ou trabalho forçado. “A maioria é encontrada em situação degradante: sem água potável, em alojamento precário – onde faltam instalações sanitárias”, afirma ela. “Há casos de pessoas dormindo em galinheiro, no chão”, diz. Por serem pessoas bastante simples, acabam não tendo ciência de que estão sendo vítimas de um crime.
Uma das vítimas resgatadas em Licínea, no Sul de Minas Gerais, no ano passado, Carlindo Souza de 37 anos, atuava em uma plantação de café. Ele diz que “O psicológico fica frustrado. Não está fácil em nada. Não é fácil. Tenho que agradecer a Deus, lógico, por ter saído de lá, e estou ‘pegando’ com Ele para superar”.
Como muitos que foram resgatados nessas condições não tem experiência comprovada em carteira, continuam em uma péssima situação pela falta de dinheiro, moradia, entre outras situações complicadas. “Se eu achar que está ruim agora, se eu ainda estivesse lá, estaria pior 10 vezes. Se aquele pessoal não chega para nos resgatar, ave Maria”, diz Souza. “Mas o problema também é que a gente depende das migalhas, depende de ser escravizado. Nós precisamos do dinheiro para suprir as necessidades”, conclui.
Qual a punição para quem comete o crime?
O empregador que for pego com trabalhadores em condições análogo à escravidão terá que quitar os saldos devidos (salário, rescisão, 13º proporcional, férias, aviso prévio, entre outros direitos trabalhistas). Depois, o criminoso é autuado. Não conseguindo provar sua inocência, ele será incluído pelo período de dois anos na chamada “Lista Suja do Trabalho Escravo”
“Ao constar nesta lista, o Governo tem regulamentos que impedem, por exemplo, a concessão de créditos de financiamento público a estas pessoas ou empresas. Além disso, as empresas, daqui e do exterior, olham esta lista constantemente, pois, em sua maioria, elas não querem ter em sua cadeia produtiva empresas que tenham envolvimento com algo desse tipo, pois podem perder, por exemplo, certificações que valorizam o seu produto”, detalha Maurício Krepsky Fagundes, chefe da DETRAE da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).
De acordo com ele, em 2022, os empregadores que foram pegos nestas condições pagaram cerca de R$8 milhões em verbas trabalhistas, sendo R$5,4 milhões somente de Minas Gerais. Os números podem mudar, pois mais fiscalizações ocorreram após o último levantamento.
“A política pública é eficiente em garantir os direitos do trabalhador, já que isso é pago em questão de duas semanas. Quando pensamos que temos uma média de 2 a 3 anos de tramitação na Justiça para o mesmo fim e pensando que estamos falando de uma classe muito vulnerável, que teria dificuldade até para ter acesso a um advogado, se torna mais importante a presença destes órgãos nestes locais”, argumenta. “O resgate tem por finalidade fazer cessar a violação de direitos, reparar os danos causados no âmbito da relação de trabalho e promover o devido encaminhamento das vítimas para serem acolhidas pela assistência social”. conclui.
Os criminosos, além de responder o processo administrativo, também poderão responder criminalmente em inquérito da Polícia Federal e do Ministério Público do Trabalho. O crime tem pena prevista de 2 a 8 anos de reclusão.
No entanto, segundo o coordenador da Pastoral da Terra, Waldeci Campos de Souza, “Punição maior poderia coibir a prática”. Mesmo com anos de experiência, ele não se lembra de ter conhecido nenhum empregador envolvido que foi preso pelo crime. “Não posso afirmar que não existiu, pode ser que alguém foi preso, mas eu, particularmente, não conheço”, disse. De acordo com ele, talvez se, os responsáveis fossem efetivamente presos, os números de trabalhadores nessa situação pudessem cair em todo o Brasil. “A questão financeira é importante, mas, do ponto de vista do infrator, isso talvez não seja suficiente para coibir. Se as prisões fossem executadas, se fosse inafiançável, provavelmente reduziria esses índices. Estamos em 2023, e, se pensarmos bem, o número de pessoas nessas condições provavelmente é bem maior. O que temos são as pessoas resgatadas, mas quantos outros não chegaram sequer a denunciar?”, pondera.
Ele também lembra do trabalho escravo de empregadas e empregados domésticos. “É um tipo mais difícil de ser identificado, pois acontece no interior das residências. Por isso, é muito importante que as pessoas denunciem este crime para que a fiscalização possa fazer sua parte. Pedimos também que as pessoas pesquisem sobre os produtos que estão consumindo, de onde vêm, se estão vinculados ao trabalho escravo, principalmente pensando no Sul de Minas, que é uma região muito rica no café e que constantemente tem trabalhadores escravizados “, finalizou.
O que motivou a criação do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo?
Uma chacina que ocorreu no dia 28 de janeiro de 2004, em Unaí, cidade que fica no noroeste mineiro. Lá, três auditores fiscais do Ministério do Trabalho que investigavam denúncias de trabalho escravo e o motorista foram mortos em uma emboscada.
Os executores foram condenados em 2013, já o fazendeiro Antério Mânica, acusado de ser o mandante, foi condenado no ano passado a 64 anos de prisão, podendo responder em liberdade.
Na última quinta-feira (26), o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (SINAIT) realizou um ato público online pedindo justiça para o caso. “São 6.940 dias marcados pela impunidade e por reviravoltas nos processos que adiam a prisão de mandantes e intermediários já condenados pela Justiça”, afirmou a entidade, em nota.
Para denuncias de trabalho análogo á escravidão, basta entrar no site da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).
Para mais dados da ação, entre no site: https://sit.trabalho.gov.br/radar/
Da redação Djhessica Monteiro com O Tempo.