A Polícia Civil abriu inquérito para investigar as circunstâncias da morte de um estudante da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que foi encontrado morto na madrugada do último domingo (21) dentro de uma cela na delegacia da cidade, na região Central de Minas Gerais. Charles Wallace dos Reis, de 23 anos, um jovem negro, gay e militante de movimentos sociais, cursava história na instituição e foi detido pela Polícia Militar (PM) após uma briga com o namorado durante uma festa. Na unidade policial, segundo o boletim de ocorrência, ele teria se enforcado usando um tirante (cordão) de uma caneca.
Prourada pela reportagem de O TEMPO, a Polícia Civil informou, por nota, que a perícia da instituição esteve no local e fez os levantamentos iniciais que irão “subsidiar a investigação”. “O corpo foi encaminhado ao Posto Médico-Legal, onde foi submetido a exames. Um inquérito foi instaurado para apurar a causa e circunstâncias da morte. A PCMG aguarda a conclusão dos laudos, cujo prazo estimado é de até 30 dias, podendo variar conforme a complexidade dos exames”, completa.
Conforme a PM, a primeira ocorrência envolvendo o jovem começou ainda na noite de sábado (20), depois que ele e o namorado começaram a se agredir em um evento na cidade vizinha de Mariana, por conta de ciúmes. Depois dos militares conversarem com eles, Reis afirmou que iria embora e o companheiro preferiu não representar contra ele.
Entretanto, horas depois, o universitário teria retornado à casa onde acontecia a festa, descontrolado, e forçando a porta do imóvel, levando os moradores a acionarem a polícia novamente. O jovem foi abordado, teria se recusado a colocar a mão na cabeça e acabou sendo contido com uso de força, ainda na versão da PM.
Foi então que Reis e o namorado acabaram sendo levados, primeiramente para a UPA da cidade. Lá, o rapaz teria chegado a ameaçar o militar, falando que seria “a última pessoa que ele iria prender”. Depois disso, o casal foi então levado para a delegacia, onde, horas depois, ele acabou sendo achado morto.
“Faltou humanidade e empatia”, diz conhecida do jovem
Em entrevista sob anonimato à reportagem de O TEMPO, uma pessoa próxima de Reis, que acompanhou a prisão, contou que ele estava embrigado quando se envolveu na briga. “Ele ficou agressivo e preferimos chamar a polícia. Lá, na delegacia, ficamos na portaria e ele foi levado algemado para a cela, onde tiraram a algema e o trancaram, mas não tiraram nada dele, o cordão, os brincos ou os sapatos. Ele pediu pra fumar, pois acalmava ele, mas tomaram o celular e o cigarro. Faltou humanidade e empatia”, disse.
Entretanto, ainda segundo a conhecida, o tirante supostamente usado no suicídio não esteve com o jovem o tempo todo. “No caminho para Ouro Preto esse cordão estava na parte da frente da viatura, com os policiais. Quando descemos do carro, vi o tirante cair no chão, mas o policial pegou e pôs no bolso do Charles”, lembra. “Não sei se ele esqueceu de pegar quado o colocou na cela ou o que, mas não deveriam deixar ele entrar lá com nada. Quando soubemos da morte, a gente só chorava, não queríamos acreditar, pois ele não faria uma coisa dessas. Não pudemos nem ir no velório dele, pois ficamos na delegacia”, continuou a fonte.
O diretor do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da UFOP e professor do Departamento de História da universidade, Mateus Henrique de Faria Pereira, contou que conhecia Reis desde quando ele era estudante do serviço social e, depois, quando se tornou aluno do instituto.
“Só soube que teria se matado na segunda-feira (22) e, depois, descobrimos que isso aconteceu sob a tutela do Estado. Para nós, que somos professores de história, imediatamente nos vêm na lembrança a morte de Vladmir Herzog”, diz.
“Tudo precisa ser apurado já que pairam muitas dúvidas, como se ele sofreu violência policial, como entrou com o tirante na cela e se isso seria o suficiente para cometer o autoextermínio. Mas, de toda forma, parece que há algum tipo de negligência. Precisamos saber se ele foi estimulado a alguma ação, se sofreu alguma ação. Temos os agravantes de ele ser um jovem gay, negro e comunista. Ele tinha uma tatuagem da foice e o martelo no corpo. Então, a gente espera que seja esclarecido. Foi muito difícil conversar com a família, que está arrasada”, lembra o professor.
UFOP cobra apuração rígida
A reitoria da UFOP enviou um ofício às autoridades solicitando informações sobre a morte do estudante e, ainda segundo Pereira, a família do jovem foi aconselhada a acionar a OAB de Ouro Preto. “A comissão de Direitos Humanos da ALMG também está acompanhando o caso a nosso pedido”, lembra o diretor do ICHS.
Além disso, por meio de uma nota, a UFOP também cobrou uma “apuração rígida” do caso. Confira o texto na íntegra:
“É com pesar que a Universidade Federal de Ouro Preto comunica o falecimento de Charles Wallace dos Reis, aluno do curso de História.
Charles faleceu neste domingo (21), em Ouro Preto, em circunstância ainda não esclarecida. A Administração Central está solicitando mais informações sobre o ocorrido, assim como uma apuração rigorosa para que não haja dúvidas sobre os fatos.
A comunidade acadêmica se solidariza com familiares e amigos”
Também por nota, o ICHS lamentou a perda:
“É com extremo pesar e luto que comunicamos a perda de nosso querido aluno Charles Wallace dos Reis. Neste momento de dor, em que buscamos entender ainda o que aconteceu, o ICHS manifesta solidariedade aos familiares, aos amigos mais próximos que com ele conviviam na República Cangaço e, também, aos alunos do Instituto, expressando as mais sinceras condolências. Que possamos nos restabelecer da dor e, juntos, nos fortalecer”
Com O Tempo