Uma investigação do GLOBO revelou que o programa Cozinha Solidária, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para combater a fome, está sendo alvo de irregularidades. ONGs ligadas a petistas receberam recursos federais, mas não estão cumprindo a distribuição de refeições conforme previsto nos contratos. O GLOBO visitou endereços indicados por essas entidades e não encontrou sinais de produção ou entrega de alimentos.
O programa, que faz parte do Ministério do Desenvolvimento Social, comandado por Wellington Dias (PT), foi firmado em novembro de 2024 e está presente em 12 estados. O ministério afirmou que realizará visitas para monitorar o projeto e que, caso sejam identificadas irregularidades, medidas como corte de repasses, devolução de valores e inabilitação das cozinhas serão adotadas.
ONGs ligadas a petistas
Em São Paulo, o Movimento Organizacional Vencer, Educar e Realizar (Mover Helipa), comandado por José Renato Varjão, venceu o edital público. Varjão, que já trabalhou no gabinete do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), subcontratou uma rede de ONGs lideradas por atuais ou ex-integrantes de gabinetes petistas para produzir e distribuir as refeições. Uma dessas entidades é a Cozinha Solidária Madre Teresa de Calcutá, localizada no bairro Jardim Varginha, na Zona Sul de São Paulo. O contrato prevê a entrega de 4.583 refeições mensais durante um ano.
No entanto, uma visita do GLOBO ao endereço informado pela ONG constatou que o local estava fechado. Vizinhos afirmaram não ter conhecimento sobre a distribuição de marmitas. A entidade pertence à Paula Souza Costa, ex-funcionária do gabinete do ex-vereador Arselino Tatto (PT). Em contato telefônico, Paula afirmou ter entregue 250 quentinhas em janeiro, o que representa apenas 5% do valor contratado. Ela também mencionou uma parceria com o projeto ONG Sueli, comandado por Sueli Batista, outra ex-assessora de Arselino Tatto. Sueli confirmou o empréstimo do espaço, mas disse que a parceria ainda não está totalmente definida.
Prestação de contas questionável
Apesar de não ter cumprido a entrega de refeições em dezembro de 2024, a Cozinha Solidária Madre Teresa de Calcutá apresentou um recibo ao governo federal atestando o recebimento de R$ 11 mil pela produção e oferta de 4.583 quentinhas no período. Além disso, o endereço registrado na Receita Federal é diferente do informado ao ministério, e o local visitado pela reportagem não possuía estrutura para a produção de alimentos. Um representante da entidade alegou que a distribuição ocorre em diversos locais e que está em processo de “migração” para o imóvel informado ao governo.
Outra ONG, a Cozinha Solidária Unidos Pela Fé, também contratada para entregar 4.583 refeições mensais, não apresentava sinais de atividade durante a visita do GLOBO. O endereço em Parelheiros, Zona Sul de São Paulo, é a residência de Claudinei Florêncio, ex-assessor de Arselino Tatto. Ele admitiu que, apesar do contrato ter sido assinado em dezembro de 2024, nenhuma refeição havia sido distribuída até o momento. No entanto, a prestação de contas enviada ao governo afirma que todas as quentinhas foram entregues no período. Questionado sobre a discrepância, Florêncio não se manifestou.
“Tattolândia” e outras irregularidades
A Mover Helipa, de José Renato Varjão, atua em uma região de baixa renda da capital paulista apelidada de “Tattolândia”, reduto da família Tatto. Além das ONGs já mencionadas, outras entidades próximas ao clã político também receberam verbas federais. A Cozinha Solidária Instituto Rosa dos Ventos, de Anderson Clayton Rosa, assessor do deputado Nilto Tatto, foi contratada para entregar 4.583 refeições mensais, mas produziu apenas 400 em janeiro. Rosa atribuiu o fato a um possível “erro” na documentação enviada ao governo.
Outra ONG, a Cozinha Solidária Divino Espírito Santo, comandada por um ex-assessor do deputado estadual Luiz Fernando Teixeira (PT), também está envolvida no esquema. O contrato prevê a entrega de 4.583 quentinhas mensais na região de Sapopemba, Zona Leste de São Paulo. No entanto, o local informado ao governo é uma igreja, e vizinhos relataram que apenas 70 refeições são produzidas diariamente, totalizando 2.100 por mês — menos da metade do contratado.
Prestações de contas suspeitas
As entidades são obrigadas a apresentar prestações de contas ao Ministério do Desenvolvimento Social. O GLOBO analisou os documentos e identificou 13 relatórios com similaridades, como termos idênticos e rubricas semelhantes. Os metadados revelam que os arquivos foram criados na última semana de dezembro por Fábio Rubson da Silva, advogado que presta serviços para a Mover Helipa. Ele afirmou que os modelos de formulários foram criados pela entidade gestora e que os arquivos foram compactados para envio ao ministério.
O Ministério do Desenvolvimento Social repassou R$ 5,6 milhões para a Mover Helipa, que distribuiu parte dos recursos para ONGs ligadas a petistas. O programa, que deveria ajudar pessoas em vulnerabilidade social, como a população em situação de rua, está sob suspeita de desvios e irregularidades.
com informações do Globo