Um relatório interno da Receita Federal, datado de setembro de 2024, revela que um dos principais objetivos da Instrução Normativa que ampliaria o monitoramento das transações digitais, em especial do PIX, era comparar os dados obtidos com a renda declarada no Imposto de Renda das pessoas físicas.
Esse posicionamento foi apresentado em um documento chamado Exposição de Motivos, elaborado por auditores fiscais e encaminhado ao secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, no dia 10 de setembro de 2024. O material, divulgado nesta quinta-feira (13) pelo jornalista Cedê Silva no site ofator.com.br e também acessado pela Gazeta do Povo, pode ser conferido na íntegra neste link.
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A polêmica e a reação do governo
A controvérsia ficou conhecida como “crise do PIX” e gerou desgaste para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro. A administração federal insistiu que a norma não previa taxação do PIX, com o próprio presidente reforçando essa mensagem em um vídeo onde realiza uma transferência via PIX para seu time de futebol. O governo também argumentou que a medida tinha como foco o combate a crimes financeiros.
No entanto, a oposição, especialmente por meio de um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), alertou que a norma poderia ser usada para aumentar a arrecadação tributária por meio da aplicação de impostos já existentes.
A Instrução Normativa RFB nº 2.219/2024, publicada dias depois do documento interno da Receita, determinava que fintechs e bancos digitais informassem à Receita Federal as contas de pessoas físicas que recebessem mais de R$ 5 mil em PIX no mês e de pessoas jurídicas que movimentassem mais de R$ 15 mil. Após forte repercussão negativa, a norma foi revogada em 15 de janeiro.
O verdadeiro objetivo da norma?
Apesar de o governo ter afirmado que a medida visava combater a lavagem de dinheiro, a Exposição de Motivos sugere que a principal intenção era identificar possíveis omissões de renda nas declarações de Imposto de Renda. Embora o documento não afirme explicitamente que haveria cobrança de tributos sobre essas movimentações, também não descarta essa possibilidade.
Um dos trechos do relatório menciona o interesse do Fisco em monitorar as transações realizadas por meio de contas digitais de instituições como Nubank, Banco C6 e PicPay.
“As contas de pagamento, denominadas contas digitais, são atualmente oferecidas por diversas instituições de pagamento […] permitindo que valores expressivos circulem à margem do conhecimento da administração tributária”, destaca o documento.
Outro trecho reforça que os dados captados serviriam para cruzamento com a renda declarada pelas pessoas físicas e jurídicas. Isso inclui informações de pagamentos realizados por maquininhas de cartão de empresas como Cielo, Rede, Stone e GetNet.
O relatório também menciona a criação de um novo mecanismo dentro da Receita Federal, chamado “Módulo de Repasse dos valores recebidos”, para captar informações sobre transações digitais, incluindo pagamentos via PIX e cartões.
Especialistas e oposição questionam
Com a revelação do documento, especialistas voltaram a afirmar que a norma poderia, sim, resultar em maior arrecadação de tributos. A advogada tributarista Maria Carolina Gontijo ironizou a situação nas redes sociais: “Quem poderia imaginar que a Receita Federal queria arrecadar mais de quem tenta se esconder dela?”.
Já o deputado Nikolas Ferreira comemorou a revogação da norma e reforçou que seu alerta estava correto.
“Documento mostra que Portaria do Pix de Lula foi feita para arrecadar. Exposição de motivos da portaria não cita ‘crime’ ou ‘lavagem de dinheiro’, e sim pente-fino da Receita. Nós estávamos certos. Bendito vídeo que salvou o Brasil”, escreveu no X (antigo Twitter).
A Gazeta do Povo entrou em contato com a Receita Federal questionando o motivo de o combate à lavagem de dinheiro não ter sido explicitamente mencionado na Exposição de Motivos e se o monitoramento de transações tinha como objetivo aumentar a arrecadação. Até o fechamento desta matéria, não houve resposta. O espaço segue aberto.
Governo recua
Diante da repercussão negativa, o governo ordenou a revogação da norma e acusou a oposição de espalhar desinformação. Paralelamente, pressionou a Polícia Federal a abrir uma investigação sobre o caso, alegando que as fake news beneficiariam criminosos.
Apesar do recuo, a polêmica segue alimentando o debate sobre o monitoramento de transações financeiras e o impacto que medidas como essa podem ter sobre pequenos empreendedores e trabalhadores informais.
com informações do O Fator e da Gazeta do Povo