O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) concedeu a um idoso autorização para o plantio, o cultivo, a extração, a posse e o uso exclusivo do óleo das plantas de Cannabis sativa l. (maconha) para fins medicinais, em sua casa e em quantidade estritamente necessária para dar continuidade a seu tratamento e, se necessário, com o auxílio de sua filha. A substância não poderá ser fornecida a terceiro, a qualquer título.
A decisão, em caráter liminar, é do desembargador Nelson Missias de Morais, da 2ª Câmara Criminal do TJMG, e foi proferida no último dia 24 de fevereiro. Na decisão, o comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais e o chefe da Polícia Civil de Minas Gerais foram notificados de que as corporações estão impedidas de prender pai e filha pelo plantio, cultivo, extração e posse da planta e do óleo artesanal dela extraído.
Ficam ainda impedidas de apreender ou destruir o material correlato que estiver exclusivamente na residência dos autores da ação, até o julgamento do mérito da liminar. Pai e filha devem, no entanto, permitir o acesso ao imóvel, em caso de eventual fiscalização pelas autoridades sanitárias competentes
Qualidade de vida
Os autores da ação entraram com o pedido liminar e de salvo-conduto narrando nos autos que o idoso, de 80 anos, encontra-se com a saúde extremamente debilitada, estando em tratamento médico domiciliar constante. Em 2017, ele sofreu um acidente vascular cerebral que deixou várias sequelas cognitivas. Posteriormente, sofreu tromboembolismo devido à arritmia cardíaca e foi diagnosticado com câncer.
Em 2020, o homem foi informado de que, devido ao estágio de sua doença, não poderia mais fazer nenhum procedimento cirúrgico ou continuar o tratamento oncológico via radioterapia ou quimioterapia. Diante do descontrole do quadro oncológico e do consequente prejuízo à sua qualidade de vida, foi receitado a ele o uso do extrato/óleo oral de Cannabis como adjuvante à medicação já utilizada.
O idoso recebeu então autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a compra e a importação de produtos com a substância, tendo apresentado significativa melhora em sua qualidade de vida depois que passou a tomá-los. Contudo, a família não dispõe de recursos para a aquisição do medicamento, devido ao seu alto custo tanto no mercado nacional quanto no internacional.
Pedido liminar
Na Justiça, os autores da ação entraram com o pedido liminar para que o paciente, sob responsabilidade de sua filha, fosse autorizado a plantar, cultivar, usar e ter a posse da planta, em quantidade necessária para a produção do óleo imprescindível à continuidade do tratamento, exclusivamente em sua residência e para fins medicinais, pelo tempo necessário para o alívio de seu sofrimento.
Pleitearam ainda que fosse expedida ordem às autoridades coatoras para não exercerem prática de constrangimento ilegal que pudesse resultar na apreensão das plantas ou qualquer outra forma de interrupção no tratamento, solicitando ainda o salvo-conduto para o plantio, cultivo, posse, extração e uso do óleo vegetal de Cannabis sativa l. para fins medicinais.
Dignidade da pessoa humana
Ao analisar o pedido, o desembargador Nelson Missias de Morais destacou caber ao Poder Judiciário a determinação de medidas que garantam a efetivação de direitos fundamentais. Tendo em vista disposições constitucionais e legais, destacou que o caso dos autos não poderia ser analisado apenas sob o crivo dos tipos penais previstos na Lei de Drogas, “devendo preponderar o direito à saúde e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (…)”.
Entre outros pontos, o desembargador observou que, embora o plantio de Cannabis permaneça sem regulamentação no país, “a própria Lei 11.343/06, em seu art. 2º, parágrafo único, ressalva a possibilidade de autorização do plantio, cultura e colheita de vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas substâncias entorpecentes nos casos de fins medicinais ou científicos”.
Ao decidir, o desembargador destacou também a melhora no quadro do paciente, a impossibilidade de a família comprar a substância, tendo em vista seu alto custo, e o fato de a Anvisa ter regulamentado a utilização e a importação de alguns produtos derivados da Cannabis em território nacional.
“Se, por um lado, é dever do Estado garantir o direito à saúde a todos, por outro é manifesta sua ineficiência no atendimento integral, sobretudo quando se trata de medicamento de alto custo, cujo fornecimento, por vezes, depende de judicialização da demanda, sem contar todas as dificuldades encontradas na fase de cumprimento da sentença”, ressaltou.
Ao concluir pela concessão do pedido liminar, o desembargador declarou: “Diante da grave situação clínica do paciente, vejo que a alternativa mais célere a trazer conforto e dignidade a quem se encontra em estágio terminal é mesmo a permissão para o plantio e cultivo da maconha, a fim exclusivamente de extração do óleo para fins medicinais”.
O processo tramita em segredo de justiça.
Com TJMG