Alexandre de Moraes contou, em entrevista ao jornal O Globo, que investigações da Polícia Federal (PF) sobre os atos do dia 8 de janeiro de 2023 mostraram que, caso um golpe de Estado vingasse, como pediam alguns manifestantes, ele poderia ser preso e enforcado. Este seria um dos três destinos dele, conforme investigações da instituição, agora reveladas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que também ocupa a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A entrevista foi divulgada nesta quinta-feira (4).
“O primeiro previa que as Forças Especiais (do Exército) me prenderiam em um domingo e me levariam para Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio. E o terceiro, de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes. Para sentir o nível de agressividade e ódio dessas pessoas, que não sabem diferenciar a pessoa física da instituição”, contou Moraes em entrevista.
Ele cita que investigação da PF sobre o 8 de janeiro, já tornada pública, mostra que o suposto plano para derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por meio de uma intervenção militar incluía o acionamento do Comando de Operações Especiais do Exército, em Goiânia, para efetivar a intervenção militar federal, com a volta do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Palácio do Planalto.
Em uma das fases da operação Lesa Pátria, desencadeada no fim de setembro, agentes foram às ruas para apreender provas contra integrantes das Forças Especiais do Exército que teriam dado início às invasões aos prédios públicos em 8 de janeiro. Peritos recuperaram imagens que apontam para a ação dos primeiros invasores, usando balaclava e luvas, abrindo passagem para o restante das pessoas pelo teto do Congresso Nacional – no prédio há uma passagem na cúpula que dá acesso ao Salão Verde, o espaço que leva ao plenário da Câmara dos Deputados.
Alexandre de Moraes contou, na mesma entrevista, que “houve uma tentativa de planejamento”. “Inclusive, e há outro inquérito que investiga isso, com participação da Abin, que monitorava os meus passos para quando houvesse necessidade de realizar essa prisão. Tirando um exagero ou outro, era algo que eu já esperava. Não poderia esperar de golpistas criminosos que não tivessem pretendendo algo nesse sentido. Mantive a tranquilidade. Tenho muito processo para perder tempo com isso. E nada disso ocorreu, então está tudo bem”, disse.
O ministro estava em viagem de férias com a família na Europa quando houve o ataque às sedes dos Três Poderes em Brasília. Em 8 de janeiro, ele visitava Paris, quando seu filho lhe mostrou vídeos da invasão ao Congresso Nacional. “Liguei imediatamente para o ministro Flávio Dino (Justiça). Perguntei a ele como tinham entrado, porque havia ocorrido uma reunião de órgãos de segurança em que tinha ficado proibida a entrada de manifestantes na Esplanada dos Ministérios. Num determinado momento, o presidente (Lula) também falou comigo”, contou ao O Globo.
Ainda segundo o presidente do TSE, Lula e Dino conversaram com ele sobre a possibilidade de intervenção federal ou a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO). “Quem decidiu foi o Poder Executivo, mas eu relembrei que no tempo do presidente (Michel) Temer, houve a possibilidade de intervenção só na área da segurança, e talvez isso fosse melhor”, comentou o ministro do STF.
Moraes diz que 100 homens do Choque dispersariam os invasores
Ainda durante a entrevista para o jornal, ele disse que o que mais o chocou em meio à depredação dos prédios da praça dos Três Poderes do 8 de janeiro foi a “a inação” da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF): “Fui secretário de Segurança Pública em São Paulo e ministro da Justiça. Afirmo sem medo de errar: não precisaria de cem homens do Batalhão de Choque para dispersar aquilo”.
Procurado pela Polícia Federal e pela Advocacia-Geral da União (AGU), Moraes começou a tomar decisões ainda em 8 de janeiro, mesmo fora do país. Ele mandou prender o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres (que estava de férias em Orlando, nos Estados Unidos) e o comandante-geral da Polícia Militar do DF, Fábio Augusto Vieira.
O ministro explicou na entrevista que essas medidas visavam “evitar efeito dominó em outros Estados”. “Eu me certifiquei que as demais polícias militares estavam tranquilas, mas não podíamos arriscar”, disse. “Ao mesmo tempo, o afastamento do governador (Ibaneis Rocha), para evitar que pudesse ocorrer algo extremista em outros Estados, eventualmente outro governador apoiar movimento golpista. E a determinação de prisão em flagrante imediata de quem permanecesse em frente a quartéis pedindo golpe”, emendou.
Ele ainda defendeu a ação de retirada de pessoas em frente ao QG de Brasília e em outros locais do país. “Se tivéssemos deixado mais pessoas em frente a quartéis (no dia seguinte), poderia gerar mais violência, com mortes e distúrbios civis no país todo. Se não houvesse a demonstração clara e inequívoca de que o Supremo Tribunal Federal não iria admitir nenhum tipo de golpe, afastaria qualquer governador que aderisse e prenderia os comandantes de eventuais forças públicas que aderissem, poderíamos ter um efeito dominó que geraria caos no país”, ponderou Moraes.
Para Moraes, acampamentos nos quartéis eram criminosos
O ministro do STF disse que a manutenção dos acampamentos nos quartéis foi um “crime” que contribuiu decisivamente para o escalonamento das ações do dia 8 de janeiro e episódios de violência anteriores, como a tentativa de atentado a bomba nos arredores do aeroporto de Brasília em 24 de dezembro de 2022.
“Foi um erro muito grande das autoridades deixar, durante o ano passado, aquelas pessoas permanecerem na frente dos quartéis. Isso é crime e agora não há mais dúvida disso. O Supremo Tribunal Federal recebeu mais de 1.200 denúncias contra quem estava acampado pedindo golpe militar, tortura e perseguição de adversários políticos”, afirmou.
Moraes também citou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a prisão do ex-diretor, Silvinei Vasques, por causa das blitze no segundo turno das eleições de 2022 e das interrupções de rodovias após as urnas confirmarem a vitória de Lula no pleito. “Houve a greve dos caminhões tentando parar o país. A violência estava numa crescente. No dia da diplomação, 12 de dezembro de 2022, houve prisões após a (tentativa de) invasão da Polícia Federal”, lembrou.
Para o ministro do STF, a permissão para apoiadores de Bolsonaro chegarem à Esplanada em 8 de janeiro foi definitiva para as invasões aos prédios públicos. “O grande erro doloso foi permitir a entrada na Esplanada dos Ministérios. O 8 de Janeiro foi o ápice do movimento: a tentativa final de se reverter o resultado legítimo das urnas.”
Sobre as investigações em andamento, ele disse ainda ao O Globo que os presos revelaram em interrogatórios as tramas nos acampamentos em volta dos quartéis para a tentativa de um golpe de Estado.
“De vários financiadores, (a ordem era que) deveriam vir (para Brasília), invadir o Congresso e ficar até que houvesse uma GLO para que o Exército fosse retirá-los. E, então, eles tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe. O que mostra o acerto em não se decretar a GLO, porque isso poderia gerar uma confusão maior, e sim a intervenção federal. Não que o Exército fosse aderir, pois em nenhum momento a instituição flertou (com a ideia). Em que pese alguns dos seus integrantes terem atuado, e todos eles estão sendo investigados”, disse.
Investigações não têm prazo para acabar e mais gente deve ser presa
Moraes deixou claro que, mesmo com condenações de executores e as denúncias dos financiadores à Justiça, as investigações estão longe do fim, e podem atingir muito mais gente.
“Não há limite. Todos aqueles que tiverem a responsabilidade comprovada, após o devido processo legal, serão responsabilizados”, ressaltou. “Não poderíamos deixar que aqueles que tentaram romper com a democracia no Brasil continuassem achando que uma eventual impunidade pudesse encorajá-los a atentar novamente”, completou.
Sobre Bolsonaro e os questionamentos sobre a lisura das urnas eletrônicas e do sistema eleitoral feitos pelo ex-presidente, Moraes se esquivou: “Todas as pessoas sobre as quais a Polícia Federal encontrar indícios serão investigadas, desde os executores até eventuais políticos. Mas isso a investigação é que vai demonstrar.”
O ministro garantiu não se incomodar com as críticas em relação ao seu trabalho à frente das ações penais sobre o dia 8 de janeiro. “Nunca vi alguém preso achar que a sua prisão é justa. Analiso as críticas construtivas, mas ignoro as destrutivas. Nenhum desses golpistas defende que alguém que furtou um notebook não possa ser preso. E eles, que atentaram contra a democracia, não podem? Os presos são de classe média, principalmente do interior, e acham que a prisão é só para os pobres. A Justiça tem que ser igual para todos”, defendeu.
Sobre as penas aplicadas aos presos pelo 8 de janeiro, Moras lembrou que “quem faz a pena não é o Supremo Tribunal Federal, é o legislador”. “O Congresso aprovou uma legislação substituindo a Lei de Segurança Nacional exatamente para impedir qualquer tentativa de golpe. Se as penas máximas fossem aplicadas em todos os cinco crimes, pegariam mais de 50 anos, mas pegaram 17 (no máximo). Se não quisessem ser condenados, não praticassem nenhum crime.”
E, mesmo diante de planos para matá-lo, Moraes diz manter o mesmo esquema de segurança desde que assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, em 2014. “Eu já recebia ameaças da criminalidade organizada. O esquema é o mesmo há quase nove anos. Em relação à minha família, aumentei a segurança”, observou. “Esses golpistas são extremamente corajosos virtualmente e muito covardes pessoalmente. Então, chegam muitas ameaças, principalmente contra minhas filhas, porque até nisso eles são misóginos. Preferem ameaçar as meninas e sempre com mensagens de cunho sexual. É um povo doente”, emendou a O Globo.
Com O Tempo