A cidade de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, recebeu um montante de R$ 51 milhões a mais do que o previsto em uma portaria assinada pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, em dezembro de 2023. Coincidentemente, seu filho, Marcio Lima Sampaio, foi contratado como secretário de Cultura da cidade em janeiro de 2024, aproximadamente três semanas após a liberação dos fundos pelo Ministério da Saúde.
Segundo as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), qualquer repasse que ultrapasse o limite estabelecido requer aprovação dos colegiados atuais, que incluem membros da área da saúde. No entanto, a Portaria 2.169/2023, que autoriza o envio dos R$ 55,4 milhões para Cabo Frio, menciona quatro autorizações da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) do Rio de Janeiro, mas um levantamento revelou que essas autorizações somam apenas R$ 4,6 milhões.
O Ministério da Saúde justificou essa disparidade como uma “divergência” nos dados da portaria, alegando ainda ter tido a autorização para o repasse. No entanto, não explicou por que a portaria não foi corrigida mesmo após quatro meses de sua publicação no Diário Oficial da União.
Dois meses após a liberação dos fundos, a prefeita de Cabo Frio, Magdala Furtado, deixou o Partido Liberal (PL) e se filiou ao Partido Verde (PV), anunciando sua candidatura à reeleição com o apoio do Partido dos Trabalhadores (PT).
Em uma entrevista ao jornal Valor Econômico, a ministra Nísia Trindade enfatizou a complexidade da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), destacando que é necessário encará-la como uma questão que vai além da política pública, sendo uma tarefa conjunta das instituições, do governo e da sociedade.
Advogados veem ilegalidade
Advogados especializados em direito público consultados pelo UOL afirmam que a ministra Nísia Trindade cometeu uma ilegalidade que pode ser alvo de investigação pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
Edgard Leite, advogado especialista em direito público, ressalta que a portaria do Ministério da Saúde transfere recursos sem as devidas autorizações, o que configura uma violação da lei orçamentária. Ele enfatiza que o fato de a portaria não refletir as informações corretas constitui uma ilegalidade, uma vez que se trata de recursos públicos.
“Existe uma irresponsabilidade evidente, considerando que já estamos em abril e houve tempo mais que suficiente para tomar providências. Se essas providências não foram tomadas, é preciso questionar o motivo”, questiona Leite.
Fernando Dantas, outro especialista em direito público, destaca que, se houve uma deliberação para um valor muito menor do que o efetivamente autorizado, isso representa uma violação das prerrogativas. Ele ressalta que os órgãos de controle, como o TCU, certamente vão se pronunciar sobre o assunto, e a consequência provável será uma penalidade imposta pelo tribunal.
Ministério fala em ‘equívoco’
Em resposta ao UOL, o Ministério da Saúde mencionou novos números de autorizações da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) do Rio de Janeiro para justificar o repasse de R$ 55,4 milhões. No entanto, mesmo com esses novos números apresentados, ainda há uma diferença de aproximadamente R$ 2,5 milhões entre o montante enviado e o valor autorizado.
Após a publicação da reportagem, o Ministério da Saúde admitiu que publicou um ato com informações incorretas, reconhecendo o erro. A portaria também menciona uma deliberação da CIB do Amazonas em relação aos recursos destinados ao Rio de Janeiro, o que o ministério atribuiu a um “equívoco” ou “erro material”.
da redação com informações do UOL