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Lama e metais tóxicos 'sufoca' rio Paraopeba e afasta ribeirinhos

Da margem do rio Paraopeba, em Mário Campos, na região metropolitana de BH, a dona de casa Maria das Graças Batista, 62, mirava a água barrenta que fluía lentamente como se não acreditasse no que seus olhos viam. “Isso aqui era meu refúgio. Agora, o rio se tornou um vale de lágrimas”, lamentou, emocionada, ao se lembrar dos dias em que pescava piaus mandis, tilápias e dourados naquelas águas.

Foto: Fred MagnoFoto: Fred Magno

Como ela, cada ribeirinho encontrado relatou a dor de ver o leito do rio que dá vida à região tomado pela lama de rejeitos de minério da barragem I da mina de Córrego do Feijão, que se rompeu há uma semana em Brumadinho. Nessa quinta-feira (31), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) confirmou que a água do Paraopeba atingida pela lama se tornou nociva à saúde humana e animal.

A todo momento, pessoas com olhares incrédulos paravam em diferentes pontos da margem para observar um rio que em nada se parece com aquele de sete dias atrás. Pescador há 15 anos, Flaviano José Rodrigues, 32, fez questão de oferecer seu barco para que a reportagem pudesse registrar os detalhes de um rio sufocado pela onda de rejeitos. “É muito triste ver uma coisa que a gente preserva tanto acabando desse jeito”, afirmou ele, enquanto tentava navegar pelo leito assoreado entre os municípios de Mário Campos e Brumadinho. “Em plena piracema, com os peixes se reproduzindo, vem a lama e faz isso”, disse.

Sem pescaria

Na medida em que se navega em direção a Brumadinho, a coloração do rio se torna mais marrom, e a água menos fluida, de aspecto viscoso. O motor da embarcação “reclama” ao funcionar com dificuldade na água lamacenta. Alguns peixes resistem à poluição, mas os ribeirinhos já não querem mais pescar por medo de contaminação. “Nos primeiros dias depois da tragédia, a gente encontrou muito peixe morto”, relatou Rodrigues, que prefere acreditar que a natureza é capaz de recuperar o rio em alguns anos.

A dona de casa Eni da Silva Pires, 65, não tem a mesma esperança. Há seis anos, ela e o marido compraram um sítio ao lado do rio Paraopeba “pensando em aproveitar a aposentadoria para pescar”. Na geladeira, ela ainda guarda congelados os últimos peixes retirados do curso d’água antes de a lama chegar. “Não tem mais o que aproveitar aqui. A gente veio para cá para terminar os dias da gente em paz e acontece isso”, disse a dona de casa, sem conseguir conter as lágrimas.

Sem água, pequenos produtores pensam em abandonar plantio

Desde que viu a lama tingir de marrom as águas do rio Paraopeba, o pequeno produtor Gleidson de Souza Lima, 29, tenta descobrir de onde vai tirar dinheiro para garantir o sustento das duas filhas. “Não tem como regar a plantação com a água desse jeito. Se chover, ajuda. Mas já está tudo seco”, reclamou o jovem, que pensa em deixar o assentamento do Movimento Sem-Terra (MST) na região conhecida como Funil, em Mário Campos, por não acreditar na recuperação do curso d’água.

Na mesma comunidade, dezenas de agricultores familiares captavam a água do Paraopeba para irrigar plantações de mandioca, milho, quiabo e hortaliças. Lima esperava conseguir cerca de R$ 1.200 por mês com a colheita do quiabo. “Agora, não tenho expectativa nenhuma. Não sei o que vou fazer”, queixou-se.

Edna Maria Ferreira dos Santos, 29, também retirava toda a renda do rio. “No momento eu estou desempregada, então a gente pesca para sobreviver”, contou. Ela viveu a aflição de deixar a casa onde mora às pressas depois do rompimento da barragem da Vale diante do risco de inundação.
Depois do susto, ficou a tristeza de presenciar a morte lenta do rio. “A gente fica indignada”, afirmou a ribeirinha, que criticou a falta de apoio da empresa após a tragédia.

A imagem do rio que garantiu comida na mesa durante anos sendo tomado pela lama também revoltou Derenir Aquino Rocha, 68. Desempregada, ela retirava do Paraopeba a água para molhar a plantação e também o peixe, “que era a carne que tinha em casa para comer”. Sem ter como recorrer ao rio agora, ela não ficou nenhum dia sequer sem chorar. “Morreu um pedaço de mim”, desabafou.

Metais pesados

Contaminação: Análise de amostras da água do rio Paraopeba no dia seguinte ao desastre em Brumadinho revelou a presença de ferro, manganês, chumbo, mercúrio, cádmio, alumínio, zinco, entre outros metais pesados no curso d’água. 

Contato: Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), as pessoas devem evitar contato com a água ou com alimentos que possam estar contaminados. Em caso de náuseas, vômitos, coceira, diarreia, tonteira ou outros sintomas, a orientação é procurar atendimento médico.

Distância: Além disso, a recomendação é que se respeite uma distância de 100 metros das margens, mas o eventual contato com a água não causa risco de morte.

Abastecimento: A Defesa Civil de MG disse que o abastecimento de água na região metropolitana de BH não será afetado. As famílias de Brumadinho que dependem do rio para ter água em casa terão apoio. “A Vale é responsável pela entrega de água potável para quem mora no decorrer do rio”, disse o coordenador adjunto Flávio Godinho. 

Minientrevista - Daniel Hilário, Secretário de meio ambiente de Brumadinho

Como estão os estudos para que o pequeno produtor da cidade de Brumadinho seja amparado?
A gente já está fazendo projetos, e a Vale também está acompanhando em algumas coisas. A Secretaria de Agricultura está fazendo esse levantamento, vendo o que essa pessoa perdeu, se pode recuperar ou se a Vale vai ter que arrumar outro terreno para essa pessoa, para que o produtor não fique prejudicado.

Brumadinho sempre foi considerada um cinturão verde da Grande Belo Horizonte, principalmente no abastecimento dos hortifrútis. E agora?
Infelizmente, a parte ambiental também foi muito afetada na nossa cidade. Então, a gente está trabalhando incansavelmente para poder reparar esses danos.

Com O Tempo



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