Recentemente, circulou nas redes sociais, especialmente em grupos de aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram, uma mensagem que relaciona as vacinas contra a Covid-19 ao aumento das taxas de câncer entre homens. A alegação se baseia em um suposto artigo da American Cancer Society que prevê um crescimento de 90% nos casos da doença até 2050. Entretanto, essa mensagem distorce informações científicas para fomentar uma teoria enganosa.
É essencial esclarecer que não há evidências científicas que indiquem uma relação causal entre as vacinas contra a Covid-19 e o aumento de qualquer tipo de câncer.
Entenda os dados
O aumento projetado nas taxas de câncer até 2050 está associado a fatores como envelhecimento e crescimento populacional, mudanças nos hábitos de vida (como tabagismo e alimentação inadequada), e atrasos no diagnóstico durante a pandemia.
Segundo a American Cancer Society, esses fatores de risco globais são determinantes para o crescimento esperado nas taxas de câncer, e qualquer tentativa de associar esse aumento às vacinas contra a Covid-19 é infundada e desprovida de suporte científico.
A entidade enfatiza que não há evidências de que as vacinas contra a Covid-19 possam causar câncer ou estimular o crescimento ou recidiva (retorno) da doença em pessoas já diagnosticadas. As alegações de que as vacinas estariam relacionadas ao aumento de casos de câncer não têm respaldo científico e o artigo citado em mensagens de desinformação não foi localizado, o que indica a ausência de evidências que sustentem essas afirmações (AMERICAN CANCER SOCIETY, 2024).
O Ministério da Saúde já se posicionou de forma enfática, afirmando que não existem evidências de que as vacinas contra a Covid-19 possam causar ou acelerar o desenvolvimento de câncer (BRASIL, 2024). Especialistas também apontaram que o aumento nos diagnósticos de câncer em estágios avançados se deve ao fechamento temporário dos sistemas de saúde e à interrupção dos exames de rastreamento durante a pandemia, e não ao uso de vacinas (REUTERS, 2022).
Vacinas de mRNA e o impacto na Saúde
As vacinas de mRNA, como as desenvolvidas pela Pfizer e Moderna, funcionam introduzindo no organismo um RNA mensageiro que ensina as células a produzir proteínas que estimulam uma resposta imunológica contra o vírus. Após cumprir essa função, o mRNA é rapidamente degradado e eliminado do organismo (KRAUSON et al. 2023; WALLS at al. 2020), sem interagir com o DNA ou causar mutações celulares. Não há mecanismos biológicos plausíveis que justifiquem a alegação de que esses imunizantes poderiam causar alterações cancerígenas.
A disseminação de conteúdos incorretos leva ao medo, hesitação vacinal e a um maior número de pessoas desprotegidas contra doenças evitáveis. A hesitação vacinal e a recusa das vacinas por medo de eventos adversos não comprovados são fatores que têm contribuído para a queda na cobertura vacinal e o retorno de doenças que estavam sob controle.
Impacto dos diagnósticos durante a pandemia
É importante destacar que, durante a pandemia, houve uma significativa redução no número de diagnósticos de câncer, rastreamentos e tratamentos precoces, devido às restrições sanitárias e ao redirecionamento de recursos para o combate ao SARS-CoV-2. Segundo um relatório publicado pela The Lancet em 2022, estima-se que cerca de 100 milhões de exames oncológicos foram perdidos, 1,5 milhão de pacientes deixaram de ser atendidos e até 1 milhão de casos podem ter ficado sem diagnóstico. Esse atraso nos diagnósticos resultou em um aumento de novos casos de câncer em estágios avançados (LAWLER et al., 2022).
Combate à desinformação
Narrativas falsas que buscam associar vacinas a doenças graves prejudicam campanhas de vacinação e colocam em risco a saúde pública. As vacinas são fundamentais para a proteção da saúde pública e foram desenvolvidas com base em evidências científicas sólidas, passando por rigorosos testes de segurança antes de serem disponibilizadas à população. Não repasse narrativas sem antes checar a fonte e perfis confiáveis. Ajude no enfrentamento à desinformação e credibilidade da ciência.
Fontes
As referências usadas nesta matérias são as seguintes:
- AMERICAN CANCER SOCIETY. COVID-19 vaccines in people with cancer. Última revisão: 9 set. 2024. American Cancer Society medical information is copyrighted material. Disponível aqui.
- BRASIL. Ministério da Saúde. A mentira do “câncer turbo” e vacinas contra covid-19. Disponível aqui.
- KRAUSON, A. J.; CASIMERO, F. V. C.; SIDDIQUEE, Z.; STONE, J. R. Duration of SARS-CoV-2 mRNA Vaccine Persistence and Factors Associated with Cardiac Involvement in Recently Vaccinated Patients. NPJ Vaccines, v. 8, n. 1, p. 141, 2023. doi: 10.1038/s41541-023-00742-7. PMID: 37758751; PMCID: PMC10533894.
- LAWLER, M. et al. European Groundshot-addressing Europe's cancer research challenges: a Lancet Oncology Commission. Lancet Oncol, v. 24, n. 1, p. e11-e56, 2023. doi: 10.1016/S1470-2045(22)00540-X. Epub 2022 Nov 16. Erratum in: Lancet Oncol. 2023 Jan;24(1). PMID: 36400101.
- REUTERS. Fact Check-No evidence COVID-19 vaccines cause ‘turbo cancer’. Reuters Fact Check, dez. 2022. Disponível aqui.
- WALLS, A. C. et al. Structure, Function, and Antigenicity of the SARS-CoV-2 Spike Glycoprotein. Cell, v. 181, n. 2, p. 281-292.e6, 2020. doi: 10.1016/j.cell.2020.02.058. Epub 2020 Mar 9. Erratum in: Cell. 2020 Dec 10;183(6):1735. doi: 10.1016/j.cell.2020.11.032. PMID: 32155444; PMCID: PMC7102599.
Com Ministério da Saúde