O SeteLagoas.com.br, em parceria com o EliteMaster, traz para os nossos leitores uma série especial de artigos com as melhores práticas e dicas para se dar bem no ENEM.
A cada semana, um profissional do renomado curso pré-vestibular de Sete Lagoas postará um artigo no site. Os interessados poderão interagir com os professores nos comentários das matérias.
Confira abaixo o primeiro artigo do professor de literatura Gustavo Aguiar.
ENEM: Literatura e outras artes
*Prof. Gustavo Aguiar
A Literatura no ENEM corresponde a aproximadamente 40% da prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias. Na verdade, não se trata apenas de questões de Literatura. Talvez fosse melhor dizer “Literatura e outras artes”, já que são questões que podem exigir a interpretação de um texto literário, de uma escultura, de um quadro etc. Percebemos, então, como é importante que o candidato se atente ao universo da arte.
Na prova de Linguagens, as questões de Literatura (e outras artes!) abordam, principalmente, a interpretação de textos artísticos, levando em consideração aspectos estéticos ou mesmo históricos e sociológicos.
Uma abordagem interessante e inovadora da prova diz respeito à Literatura como expressão da alteridade, ou seja, da Literatura como manifestação da voz de grupos que foram deixados à margem da sociedade (as chamadas minorias), excluídos por motivos históricos e políticos, por exemplo.
O escritor João do Rio, cronista pré-modernista do início do século XX, ilustra bem essa abordagem. Em suas crónicas encontramos mendigos, imigrantes asiáticos, presidiários, vendedores ambulantes, tatuadores, entre outros grupos excluídos. Lima Barreto, contemporâneo de João do Rio, também fez desfilar personagens marginalizadas, e, em seu romance Clara dos Anjos, revela o racismo resultante de uma mentalidade ainda intolerante em relação às diferenças.
Selecionamos, portanto, três questões que tematizam a alteridade (alter = outro – seria algo como a dimensão do outro). A primeira delas é sobre textos dos dois autores mencionados acima.
Bons estudos!
ENEM 2010
Texto I
Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas.
RIO, J. A rua. In: A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento).
Texto II
A rua dava-lhe uma força de fisionomia, mais consciência dela. Como se sentia estar no seu reino, na região em que era rainha e imperatriz. O olhar cobiçoso dos homens e o de inveja das mulheres acabavam o sentimento de sua personalidade, exaltavam-no até. Dirigiu-se para a rua do Catete com o seu passo miúdo e sólido. […] No caminho trocou cumprimento com as raparigas pobres de uma casa de cômodos da vizinhaça.
[…] E debaixo dos olhares maravilhados das pobres raparigas, ela continuou o seu caminho, arrepanhando a saia, satisfeita que nem uma duquesa atravessando os seus domínios.
BARRETO, L. Um e outro. In: Clara dos anjos. Rio de Janeiro: Editora Mérito (fragmento).
A experiência urbana é um tema recorrente em crônicas, contos e romances do final do século XIX e início do XX, muitos dos quais elegem a rua para explorar essa experiência. Nos fragmentos I e II, a rua é vista, respectivamente, como lugar que
A. desperta sensações contraditórias e desejo de reconhecimento.
B. favorece o cultivo da intimidade e a exposição dos dotes físicos.
C. possibilita vínculos pessoais duradouros e encontros casuais.
D. propicia o sentido de comunidade e a exibição pessoal.
E. promove o anonimato e a segregação social.
Resolução: letra D
No texto I, a rua é o espaço que rompe com as relações hierárquicas, ela realça a solidariedade e a comunhão entre as pessoas, como bem mostra o trecho: “Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua.” No final do texto 2, a rua é representada como espaço para ostentação da personagem, como lemos em: “E debaixo dos olhares maravilhados das pobres raparigas, ela continuou o seu caminho, arrepanhando a saia, satisfeita que nem uma duquesa atravessando os seus domínios.”
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ENEM 2014
Vida obscura
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
ó ser humilde entre os humildes seres,
embriagado, tonto de prazeres,
o mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste no silêncio escuro
a vida presa a trágicos deveres
e chegaste ao saber de altos saberes
tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
magoado, oculto e aterrador, secreto,
que o coração te apunhalou no mundo,
Mas eu que sempre te segui os passos
sei que cruz infernal prendeu-te os braços
e o teu suspiro como foi profundo!
SOUSA, C. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1961.
Com uma obra densa e expressiva no Simbolismo brasileiro, Cruz e Sousa transpôs para seu lirismo uma sensibilidade em conflito com a realidade vivenciada. No soneto, essa percepção traduz-se em
A. sofrimento tácito diante dos limites impostos pela discriminação.
B. tendência latente ao vício como resposta ao isolamento social.
C. extenuação condicionada a uma rotina de tarefas degradantes.
D. frustração amorosa canalizada para as atividades intelectuais.
E. vocação religiosa manifesta na aproximação com a fé cristã.
Resolução: letra A
A noção de sofrimento tácito (silencioso, omitido) perpassa o poema de Cruz e Sousa em diversos trechos como em: “Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro”, “Atravessaste no silêncio escuro”, “Ninguém te viu o sentimento inquieto”. E, no contexto, isso nos direciona às injustiças sofridas pelos negros durante e após o regime escravocrata (“a vida presa a trágicos deveres”), mas que foram silenciadas pelos brancos.
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ENEM 2015
Yaô
Aqui có no terreiro
Pelú adié
Faz inveja pra gente
Que não tem mulher
No jacutá de preto velho
Há uma festa de yaô
Ôi tem nêga de Ogum
De Oxalá, de Iemanjá
Mucama de Oxossi é caçador
Ora viva Nanã
Nanã Buruku
Yô yôo
Yô yôoo
No terreiro de preto velho iaiá
Vamos saravá (a quem meu pai?)
Xangô!
VIANA, G. Agô, Pixinguinha! 100 Anos. Som Livre, 1997.
A canção Yaô foi composta na década de 1930 por Pixinguinha, em parceria com Gastão Viana, que escreveu a letra. O texto mistura o português com o iorubá, língua usada por africanos escravizados trazidos para o Brasil. Ao fazer uso do iorubá nessa composição, o autor
A. promove uma crítica bem-humorada às religiões afrobrasileiras, destacando diversos orixás.
B. ressalta uma mostra da marca da cultura africana, que se mantém viva na produção musical brasileira.
C. evidencia a superioridade da cultura africana e seu caráter de resistência à dominação do branco.
D. deixa à mostra a separação racial e cultural que caracteriza a constituição do povo brasileiro.
E. expressa os rituais africanos com maior autenticidade, respeitando as referências originais.
Resolução: letra B
Na letra de Gastão Viana, há a recorrência simbólica de termos do iorubá e de referências do candomblé (“Pelú adiê”, “Ogum”, “Iemanjá”, “Oxossi”) como exemplo de permanência não apenas do idioma ou da religiosidade, mas principalmente da cultura africana na música brasileira.
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*Gustavo Aguiar é professor de Literatura no EliteMaster Sistema de Ensino.