Há cerca de três semanas não se falava em outra coisa que não fosse o caso Zara e o trabalho escravo, em um ponto terceirizado de produção. A afirmativa do uso de tal mão de obra na grande rede de fastfashion colocou em voga um tema já antigo e conhecido por todos. A moda, com seu luxo e frivolidade, alimenta-se do consumo em todos os sentidos e abraça, como companheiro, um dos mais antigos problemas de todo sistema de produção.
Na cadeia produtiva que movimenta quantias exorbitantes, e move sonhos e desejos, há uma, entre várias, facetas não tão bonitas assim. Nas muitas marcas citadas no programa de tv que trouxe o assunto como pauta, a rede espanhola ganhou maior atenção e fez com que muitos prometessem nunca mais consumir alguma peça da Zara – o que, provavelmente, já foi esquecido.
O que gera certo incômodo, ou ao menos uma relativa dor na consciência, é a ideia real e verdadeira de que nós, como consumidores, somos parte extremamente importante desse sistema que valoriza a uns, de forma excessiva, em detrimento de outros.
Para muitos, mais fácil que pensar no problema e avaliar o que ocorre ainda mais perto (no próprio emprego, por exemplo) é tirar o corpo fora gritando que não entrega mais um centavo para a tal loja “criminosa”. Ainda assim, em meio a declarações de pavor contra a marca vale saber, antes de mais nada, que esse mesmo trabalho sub-humano está presente de forma ativa em um número sem fim de brands, como já foi denunciado por diversos veículos e mídias.
Um famoso documentário, aliás, revelou como as grandes grifes europeias, que comercializam suas peças por quantias que superam facilmente os cinco dígitos, trabalham em um processo de produção via mão de obra escrava, entre tecidos finíssimos, na China… e apenas aplicam o acabamento final, entre etiquetas e botões, nas grandes confecções(aquelas belas que constam nos registros).
Assim, a Zara, longe de ser inocente, não por ter declarado que desconhecia o episódio, não é a única culpada dessa realidade. Ela, mesmo sendo citada em outros casos do tipo, é apenas uma ponta de um assustador iceberg. Não podem ser julgados, ou criticados, aqueles que na quina final do processo compram as roupas que gostam, mesmo vendo na etiqueta a origem suspeita da mesma; os que compram, que se envolvem nesse processo, são apenas uma parte do problema. Os reais culpados são aqueles profissionais que deveriam fiscalizar, mas não fazem seu trabalho e se vendem; são aqueles que aceitam e contratam certas facções, mesmo tendo clara noção de como são tratados e levados seus trabalhadores. A culpa está na desigualdade, no capitalismo, na falta de infraestrutura para uma fiscalização efetiva e eficiente e, por fim, nas características desse nosso tempo.
Triste, mas muito mais comum do que se parece. Ainda assim, sabemos que em poucos dias, como foi, o assunto é esquecido e fica em evidência a pauta que mais atraiu leitores, ouvintes ou expectadores na semana seguinte. Até que uma nova denúncia gere novas promessas de boicote à marca. Aliás, alguém deixou de comprar Nike ou Apple depois de outras revelações do tipo? Pois bem.
Amanda Medeiros
Consultora de Estilo
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