Prólogo:
- Meu pai me mandou sair de casa por não querer seguir carreira na FAB. Recém-formado no ensino médio, cogitava duas das várias outras opções ruins disponíveis para decisões ainda piores que teria no decorrer da vida – ser professor de filosofia ou violonista “clássico” eram as do momento. Apaixonado, em total solidão, por uma ex-colega de escola e o pacote de café custava R$2,45…
Alheio e indiferente a todo este drama adolescente pessoal, o Trip Hop estava no seu auge, não só na Inglaterra, seu local de surgimento, mas em todo o mundo, emprestando suas características essenciais a todo tipo de produção musical (vocais majoritariamente femininos, efeitos ambientes como delay e chorus, Fender Rhodes onipresente, batidas eletrônicas hip hop mais lentas e pesadas sob estruturas básicas “climáticas-deprê-tom-menor”, arquitetadas via samples jazzísticos). Portishead e Massive Attack eram os nomes de maior destaque no mainstream. Neste cenário londrino ultraefervescente do trip hop e do acid jazz dos anos 90, surge o trio Smoke City, formado no ano anterior, em 1996, por Nina Miranda (brasiliense de mãe inglesa e pai brasileiro), Mark Brown e Chris Franck. O primeiro dos dois álbuns lançados pelo trio, Flying Away (1997), é um clássico deste subgênero e talvez tenha até mesmo outro mérito: o de criar um subgênero dentro do subgênero. Do trip hop veio a “trip-bossa”: as mesmas características que citei acima para o trip hop, mas com ritmos e intervenções de samples de bossa nova. Flying Away é o blueprint da “trip-bossa”.
Underwater Love, o maior sucesso do Smoke City, fora gravada ainda em 1992 por Nina e Mark, então também um casal. Após ser utilizada em um comercial da Levi’s e estourar mundialmente, o sucesso os motivou a montar o trio. Hipnótica, se há uma música digna de ser chamada de “sensual”, é Underwater Love, com sua batida cativante, usando sobre o ritmo eletrônico um sample da música Bahia Soul, de Laurindo Almeida, e os vocais e intervenções ad lib de Nina… sensuais (quando ela canta “quero beijar na sua boca…”, é o que você quer fazer… mesmo). Devil Mood traz Nina cantando em francês e português, batidas de tamborim e 808 sugerindo uma ambiência agigantada, enquanto With You é outra confirmação de que o Smoke City poderia pegar uma batidinha samba de dois acordes e trazê-la para a sua contemporaneidade fusionista, com synth bass, cítara e orquestra de cordas em diálogo concordante: multicultural não por um nanismo intelectual político-partidário, nem tampouco se negando a trazer souvenirs de outras terras mais exóticas por uma censura pseudoidentitária, mas por simplesmente pertencerem estas informações ao arcabouço de influências naturais dos integrantes (como Nina já declarou: em sua adolescência em Camden, se escutava James Brown seguido de Jorge Ben).
Não vou discorrer sobre todo o álbum, seria enfadonho. Ouça Flying Away: é uma ótima companhia para uma tarde de trabalho ou para a happy hour posterior. O Smoke City ainda lançaria mais um álbum, Heroes of Nature (2001), que confirmava o estilo e as intenções do trio, antes de a gravadora Jive se interessar em promover mais os Backstreet Boys e a Britney Spears.
Epílogo:
- Não me tornei nem professor (abundantes, precisamos diminuir a quantidade deles), nem violonista “clássico” (raros, e os existentes também não fazem diferença nenhuma), mas isso não impediu que outras decisões ruins se sobrepusessem. O Smoke City encerrou suas atividades em 2002 (o que é bom, posto que bandas ou artistas que duram demais se tornam um sobrepeso cultural), e o café custa R$40,00 o pacote… Era para esse epílogo ser mais animador. Enfim, não sei o que deu errado (ah, eu citei que a garota da escola morreu? Bom, pelo menos… eu acho).
Trip Hop, mano…
Tracklist:
- Underwater Love
- Devil Mood
- With You
- Numbers (Percussion – Banda Juvenil Olodum)
- Gorgeous (and Miss Curvaceous) Engineer – Mike Nielsen
- Aguas De Marco (JogaBossa)
- Dark Walk
- Jamie Pan
- Giuletta
- Flying Away
Artwork [ilustrações], fotografia – Nina Miranda
Guitarra, teclados, percussão, Baixo, Backing Vocals – Chris Franck
Programações, Turntables, percussão, Backing Vocals, efeitos [Fx] – Marc Brown
Programações – Toni Economides
Vocais, efeitos [Fx] – Nina Miranda
Mixagem – Ben Hillier
Produção – Smoke City e Michael Peden (tracks: 1 a 4, 6, 8 a 10),
Produção, engenheiro – Mike Nielsen (tracks: 5, 7)
Fotografia [capa] – Michael Ann Mullen
Fotografia [interna] – André Okada, Max Plaeth