Dormir às 3 da manhã após assistir a todos os filmes do Corujão esperando ver um peito ou alguma cena de sexo que “desse enredo” (entendedores entenderão…), pra acordar pedindo pra morrer às 6, estar numa aula desgraçadamente inútil às 8, cometer ou sofrer (o que hoje chamam de) bullying, fantasiar qualquer coisa com alguma menininha impossível, seja porque você é esquisito ou misantropo demais ou pensa ser um a ponto de mandar essa bad vibe pra ela, ir pro arcade jogar KOF, ou Street Fighter ou whatever… rinse and repeat by tomorrow. Fato é que algum dia você vai ou amaldiçoar ou nostalgizar estes dias a ponto de desejar voltar lá, seja para revivê-los ou mudá-los. E é tanto àquelas atividades quanto a estes desejos que o álbum Buds, do então duo Surf Curse (hoje um quarteto), alude e faz trilha sonora a cada faixa.

Formado inicialmente por Nick Rattigan (vocal e bateria) e Jacob Rubeck (guitarras) em 2012, com ambos na faixa dos 19 anos de idade, o Surf Curse lançou Buds, seu primeiro álbum no ano seguinte (2013): uma coleção de breves comentários em formato punk-surf-lofi-pop acerca das onipresentes, atemporais e transculturais questões adolescentes:
Frustração com as inevitáveis mudanças em Chloe Kelly:
“Eu tentei tanto continuar aquele mesmo, mas é tão difícil”*
“Estados poéticos”, como reduziu Ferreira Gullar ao analisar os “poemas” de Fernando Henrique Cardoso, em Heathers:
“Você deveria me chamar esta noite
Enquanto você dorme
Assim eu posso conversar
Com todos os seus sonhos”*
Aquela tentativa de erguer uma “barreira de contenção contra pais” (o que até certo ponto é psicologicamente saudável), enquanto cria uma “irmandade indissolúvel” com outro adolescente na busca angustiada por algo que ele acredita ser “liberdade”, como em Ponyboy (spoiler: não dará certo porque não se pode depender do outro para individuação, seja este “outro” os seus pais, uma namoradinha ou um “melhor amigo” que no ano seguinte talvez já seja como um desconhecido ao ser transferido para outra escola):
“Vamos sair
Nós ainda somos jovens
Podemos pegar meu carro
Estamos saindo agora
Podemos ir para nossas casas
E matar nossos pais
Você me prometeu que tudo ficaria bem”*
Em Goth Babe os amores improváveis que quase nunca saem do âmbito da fantasia sexual e estética, solidão e hormônios delirantes (sempre com a ironia e sarcasmo peculiar do Surf Curse):
“Eu quero uma garota gótica em minha vida
Eu quero alguém que eu possa morder
Eu quero escutar ao The Cure
Eu quero dizer que eu sou seu”*
Dreaming Wild traz o melhor momento melódico do álbum, reminiscências de Psycho Candy do The Jesus and Mary Chain: barulho de guitarras jingle jangle incessantes feito uma motosserra tendo uma doce melodia pop vocal como cobertura (esta é uma característica de todas as músicas, mas aqui eles se superam).
O ponto alto temático (involuntário?) de Buds talvez esteja em Freaks (uma ode aos “esquisitos” melhor que aquela música renegada pelo Radiohead): os traumas adolescentes todos ainda frescos na memória autopiedosa do interlocutor; aos 19 anos ele ainda não sabe exatamente o que é, mas sente que terá muito o que resolver na próxima fase e a condescendência (tanto de si para consigo quanto do mundo), será pouca:
“Não me mate, apenas me ajude a fugir
De todos eu preciso de um lugar para ficar
Onde eu possa esconder minha face
Não chore
Eu sou apenas uma aberração”*
Faço minhas as palavras de Nelson: “Envelheçam, jovens, envelheçam…”. Mas antes utilizem essa breve licença etária e temporal, cheia de certezas sobre tudo, todas baseadas num total conhecimento sobre nada para criar deliciosas peças de cultura pop como Buds.
*traduções livres minhas.


Tracklist:
- Chloe Kelly
- Bummer Friend
- Heathers
- Ponyboy
- In My Head Till I’m Dead
- The Smell Saved My Life
- Goth Babe
- Freaks
- Dreamin’ wild
- Fire Walk With Me
Formação:
Jacob Rubeck – guitarras, vocais ocasionais (2012-presente)
Nick Rattigan – vocais, bateria, percussão (2012-presente)
Desde 2020 o Surf Curse se tornou um quarteto com a inclusão dos integrantes:
Noah Kohll – guitarras (2020-presente)
Henry Dillon – baixo (2020-presente)