Quando vi a capa desse álbum pela primeira vez pensei: “Hum, interessante: ela é ‘diferentinha’ mas ainda assim bem atraente…” – não me julgue, sou designer gráfico, costumo consumir coisas e artistas e pessoas pela capa, de modo a confirmar uma das 2 teorias:
- “Há! A capa é linda e o produto é uma merda, sabia!”
- “Há! A capa é linda e o produto é muito bom, sabia!”
O que quer dizer, parafraseando alguém de inteligência muito inferior à minha mas infinitamente mais esperta que eu, o que a coloca automaticamente em franca e total “vantage”: eu não vou ganhar ou perder, nem se eu ganhar nem perder eu vou ganhar ou perder. Vou sempre ganhar. Enfim…
Tess Parks é uma cantora e compositora canadense cujas composições de simplicidade evocativa e climática (adjetivos genéricos que não definem nada, mas persevere até o final do texto…), que, ao contrário de alguma pressuposta limitação técnica deixa evidentes decisões estilísticas claras: retirar o excesso e evidenciar a ideia. To cut the crap. Ockham utilizado de uma forma mais inteligente.

Blood Hot é seu primeiro álbum, lançado aos 21 anos em 2013 pelo selo 359 Records. Algumas influências que vêm à mente são Mazzy Star, Brian Jonestown Massacre e folk psicodélico, mas é também evidente bastante da displicência vocal de uma Courtney Love nos vocais. O “clima” geral remete à americana: guitarras Telecaster imersas em trêmolo e reverb de mola, trilha lo-fi para um road movie imaginário através de estradas que cruzam desertos rumo a alguma promessa menos inquietante do que a realidade objetiva no outro lado do país. Apple pie e a vista opressora do mar (que apenas confirma a pequeneza do protagonista), após toda a problemática do roteiro.

Somedays traz o blueprint do restante do álbum: 3 acordes de guitarras sob a voz dobrada e sussurrante de Tess. A estes 3 acordes se somam o baixo e a bateria em Gates of Broadway aos quais numa sonoridade intencionalmente quase tosca, monofônica, com a bateria como um todo deslocada levemente para um lado ou outro, uma prática extremamente comum dos engenheiros de mixagem dos anos 60, acostumados ou limitados pelos parâmetros monofônicos da época, mas aqui utilizada de forma menos radical (de forma a não cansar o ouvinte há sempre uma caixa ou outra peça no lado oposto), mas ainda assim reminiscente e identificável enquanto escolha estilística. Aqueles 3 acordes, adornados por linhas melódicas de Fenders e reverbs, em outras peças como Refugee Camp, Walk Behind Your House, Goodnight Love e Stick Around (estas duas reminiscências de Hope Sandoval e um violão), são os elementos principais sobre os quais a voz dobrada, arrastada, por vezes num sussurro, por vezes num drive são o suficiente. Em Open Your Mind a psicodelia se aproxima mais do noise com camadas de 3 acordes de guitarras sobrepostas.
3 acordes: a estrutura elementar do rock, do blues e de Blood Hot. Tess Parks é uma das compositoras que, com pouquíssima variação, consegue prender a atenção utilizando quase que somente esta ferramenta musical.
Um disco essencial do lo-fi folk rock dos anos 2010, e uma companhia agradável para uma noite qualquer dessas.
Track List:
- Somedays
- Gates Of Broadway
- When I Am Young
- Refugee Camp
- Stick Around
- Open Your Mind
- Walk Behind Your House
- Goodnight Love
- This Time Next Year
- Life Is But A Dream
- Love Around
Créditos e formação:
Produção, vocais e composições – Tess Parks
Co-produção – Thomas Paxton-Beesley
Bateria, Guitarra, Baixo, Tambourine, Cello – Thomas Paxton-Beesley
Bateria, Guitarra Solo, Backing Vocals – Anthony Nemet
Mixagem – Josh Korody