Denise Garrett. Dee Dee Bridgewater para nós, não íntimos constituintes da multidão genérica conhecida como público. Conheci seu trabalho ainda na era “pré-histórica-internética”, através do meio difusor tão popular na segunda guerra, chamado de “rádio” (precisamente no programa de jazz apresentado por Bob Tostes na Guarani FM, interpretando Song For My Father, de Horace Silver, na qual ela fazia um incrível solo de scat singing). Aliás esta é uma das características distintivas de Dee Dee: além de sua alta extensão vocal, seus solos vocais altamente técnicos seguindo a tradição de Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan (os chamados “scats”), no estilo be bop.
Poucos anos depois, já no final da era historicamente registrada como período “web 1.0”, tive acesso a toda obra de Dee Dee; lembro inclusive o choque estético que a capa de seu primeiro álbum, Afro Blue, de 1974 causa:
“Que mulher linda… e canta.”

Mas o álbum que quero trazer hoje foi lançado por ela quase 20 anos depois: Keeping The Tradition (1993). Durante o final dos anos 70 e início dos 80, Dee Dee Bridgewater mesclou a influência jazzística aos ritmos do momento, como disco e R&B, voltando ao jazz tradicional no final dos 80, e Keeping The Tradition é um disco emblemático desta movimentação em sentido contrário: havia uma espécie de “divisão” no meio jazzístico entre os conservadores musicais do chamado neo-bop (como os irmãos Marsallis), movimento que pregava uma volta às origens do bebop, com a utilização de instrumentação acústica e alto rigor técnico, versus os fusionistas e smooth jazzers, em constante tentativa de flerte pop através de experimentações com outros estilos e pesada utilização de instrumentação elétrica e digital. Dee Dee neste álbum se posta do lado tradicionalista da coisa, mas com a capa fazendo referência à icônica foto de Tutu prestando homenagem ao inovador Miles Davis, que esteve na vanguarda geradora de todos estes movimentos (com exceção do neo-bop, visto pelo mesmo com desdém, inclusive sua rixa com Winton Marsallis é bem conhecida), e que havia morrido no ano de 1991.


Keeping the Tradition, lançado pela Verve traz exatamente o que o texto sugere: uma coleção de standards, em sua maioria straigh ahead e executados utilizando instrumentação tradicional típica de bebop (piano acústico, baixo acústico e bateria), e gravado em Paris (onde Dee Dee é radicada desde 1986), por músicos de altíssimo calibre (como Andre Ceccarelli na bateria).
Just One of Those Things abre o disco de maneira hardcore numa versão bebop onde o 200 do metrônomo é a velocidade mínima, o que não impede um solo vocal exato de Dee Dee. Fascinating Rhythm diminui um pouco o andamento preparando o ouvido para o que vem na sequência: a bossa jazz de The Island (Começar de Novo de Ivan Lins), e a maravilhosa balada Angel Eyes. Outra das baladas presentes no álbum, Autumn Leaves, traz como introdução sua versão em francês, Les Fuilles Mortes, em ritmo rubato (andamento livre). O restante do álbum trafega entre as baladas e ritmos mais medianos no andamento.
Confesso que é difícil escolher um disco de Dee Dee Bridgewater para recomendar, este é um dos que servem muito bem aos fãs de jazz tradicional. Não deixe de ouvir também Live in Paris (1987), Love and Peace: A Tribute to Horace Silver (1995), Eleanora Fagan (1915–1959): To Billie with Love (2010), além do já citado Afro Blue.
Tracklist:
1 Just One Of Those Things
2 Fascinating Rhythm
3 The Island
4 Angel Eyes
5 What Is This Thing Called Love?
6 Les Feuilles Mortes (Autumn Leaves)
7 I’m A Fool To Want You / I Fall In Love Too Easily (Medley)
8 Lullaby Of Birdland
9 What A Little Moonlight Can Do
10 Love Vibrations
11 Polka Dots And Moonbeams (Around A Pug-nosed Dream)
12 Sister Sadie
Formação:
Dee Dee Bridgewater – vocais
Thierry Eliez – piano
Hein van de Geyn – Baixo acústico e arranjos
André Ceccarelli – Bateria