1997… já vimos isto antes. Mas de fato, este parece ter sido um ano especial para o subgênero do trip-hop e suas adjacências estilísticas. Para o duo Mono, formado por Siobham De Marè e Martin Virgo foi literalmente O ano: 1997 viu o lançamento de seu único álbum, Formica Blues, considerado um clássico da música eletrônica (apesar de que este rótulo de forma isolada pode dar uma ideia superficial do trabalho do Mono, repleto de influências sessentistas como trilhas sonoras do cinema tanto norte-americano quanto francês, do “pop barroco” de Burt Bacharat e Phil Spector, sejam com os músicos emulando estas influências ou através de samples, com a sempre presente ambiência jazzy típica do trip-hop).

O álbum abre com Life in Mono, deixando bem claras as influências dos anos 60 através do uso de harpsichord e a bela melodia vocal de Siobhan causando dejà vu de chansonnières como Françoise Hardy, em uma ambiência melancólica. Silicone mantém a seriedade e algo mais bluesy, se aproximando um pouco do trabalho do Portishead, para dar uma aliviada emocional em Slimcea Girl, esta última em tom maior e com um coral gospel (para mim esta faixa sempre teve algo de I Say a Little Prayer for You, de Aretha Franklin e seu climão de comercial de margarina – qual não foi minha surpresa ao descobrir que Slimcea era uma marca de pão inglesa dos anos 60 – não é das minhas faixas prediletas do álbum, pois é muito alegre, o “barato” são coisas tristes e deprimentes). Disney Town traz a inevitabilidade da ruína matrimonial de forma irônica: uma letra diretamente descritiva da melancólica vida do casal sobre uma música que parece nos querer contar uma estória diferente. Como quase todo mundo faz na vida, só que na vida real a música – uma persona sorridente – é o peso do investimento de tempo e a letra a realidade tentando (e inevitavelmente conseguindo…), se sobrepor.
“He tells her
She feeds him
She hates him more
His teacup
She spits in
He loves her more”
Blind Man nos traz de volta àquela ambiência noturna, tensão ao olhar as luzes da cidade, bares e carros, gente e ratos, becos e avenidas num panorama de recortes urbanos insones. High Life é 50% sixties on a 50% nineties infusion: até mesmo eu que me sinto repelido por coisas muito “edificantes” (esta seria uma boa tradução para uplifting?), consigo escutá-la sem prováveis intolerâncias a excessos de sacarose que músicas como I Say a Little Prayer for You causam (calma, esta música não está no disco). Playboys remete diretamente ao Massive Attack, tanto pelas harmonias de synth quanto pelos vocais de Siobhan, enquanto Penguin Freud e Hello Cleveland vão para um lado mais experimental, com a primeira mais jazzy e reflexiva, com belas camadas de piano multi-sampleadas e editadas por Martin e a segunda um instrumental onde sobre um ritmo funky em 5/4 são arranjadas as várias partes formadas por samples de música dodecafônica e atonal.

Formica Blues é um disco muito bom: no alvorecer das maiores revoluções tecnológicas e digitais do século XX, um aceno ao passado mirando um futuro de possibilidades, por vezes melancólico por vezes nem tanto, mas sem dúvidas um dos melhores exemplos do que músicos, compositores e produtores talentosos podem fazer num estúdio livres de amarras meramente comerciais e voltado a um público com QI acima do de um simiano. Após 97 isto se tornou muito mais raro.
Tracklist:
- Life In Mono
- Silicone
- Slimcea Girl
- The Outsider
- Disney Town
- The Blind Man
- High Life
- Playboys
- Penguin Freud
- Hello Cleveland!
A versão comemorativa de 25 anos inclui CD extra com 20 músicas a mais (remixes, mixagens especiais e outros bônus).
Formação:
Mono
Siobhan de Maré – vocais, backing vocais (3, 4, 7)
Martin Virgo – produção, engenheiro de áudio (10), keyboards/programming, piano (3, 4, 7, 9, 10), guitarras (5, 6, 7), baixo (5, 7)
Outros músicos envolvidos
Jim Abbiss – produção (2, 5, 6, 8, 9), engenheiro de áudio (todas exceto 7 e 10), keyboards/programming (6, 8), guitarras (6), “wicked tambourine” (5)
Mat Coleman – trombone (7)
Luke Gifford – engenheiro de áudio (7, 9)
Colin Graham – trumpete (7, 9)
Mikey Hartwell – percussão (7)
Lee Hubbard (Bushmaster) – drum programming (6)
The Lauren Hughes Experience – triângulo (10)
Chris Margary – sax (7)
Martin McColl – guitarra (2, 9)
Paul Motion – engenheiro de áudio (7)
Bernard O’Neil – baixo acústico (2)
Paulo de Oliveira – vocais (9)
Geoff Smith – hammered dulcimer (4)
James Thorp – guitarra (7)